sexta-feira, 5 de maio de 2017

Artigo - Emaús: Ele vive e aquece nosso coração.


Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras? (Lc 24, 32)

Frei Almir Guimarães

Não nos cansamos de buscar o Senhor Jesus. Sabemos que ele vive, que está em nosso meio, que continua nos interpelando e querendo que o íntimo de nós mesmos se oriente para ele. Na verdade é ele que não se cansa de nos buscar. Antes de experimentarmos esse anelo, Ele, o Ressuscitado, já andou batendo em nossas portas e desejando que colocássemos nossa mão na chaga de seu Coração, da chaga do peito. Nosso coração precisa extasiar-se do amor do Coração aberto de Deus em Cristo Jesus. Os discípulos de Emaús, encontrando aquele misterioso peregrino, sentiram que se acendia em seu interior um fogo de muito ardor.

Cléofas e seu companheiro se dirigiam a um povoado distante de Jerusalém uns onze quilômetros. Para todo o sempre, Emaús passaria a ser lugar de comunhão, intimidade, beleza e contemplação. Os dois, enquanto caminhavam, iam falando dos acontecimentos vividos por eles em Jerusalém, fora dos muros. Jesus, o sonho de suas vidas e a esperança de seus dias, fora crucificado e sepultado. A conversa dos dois se fazia num tom de voz sem exaltação. Talvez, aqui e ali, a fala fosse interrompida por momentos de silêncio. Quiçá até precisaram enxugar uma lágrima furtiva que brotava do canto de seus olhos. Reflexões densas e graves giravam em torno dele, desse Jesus, que havia feito nascer em seus coração tanto entusiasmo, fé, confiança e alento e que morrera no alto da cruz como um bandido qualquer, como seus companheiros de morte. Onde tinha ficado a força de seu caráter, a firmeza de sua voz, a autoridade com que falava, a ternura de seu olhar cheio e viço de vida? Por isso, os dois companheiros deixaram a cena onde tinham vivido imensa desolação.

Faltou-se a fé na presença nova do Ressuscitado. Eles tinham o necessário para manter viva a fé. Ouviram a Boa Nova que Jesus anunciava na Galiléia. Chegou agora até eles o anuncio da Ressurreição. Pensavam que a ressurreição seria um disse-que-disse de mulheres. Faltava-lhes a única coisa que pode fazer “arder” seu coração: o contato pessoal com Jesus Cristo, o Vivente.

De tanto pensarem nele, de tanto sofrerem com sua ausência, o Ressuscitado se faz misteriosamente presente. Há tantas démarches de pastoral, rezas , celebrações de missas, incenso no ar, vestes litúrgicas pomposas e as coisas continuam na mesma situação de falta de fogo. Será que não falta hoje pensar mais nele, falar mais dele entre nós, tentar conversar sobre o modo como viver com ele?

Os discípulos de Emaús impediram que o peregrino misterioso fosse adiante. Ele havia revirado com seu interior. Não deixaram que ele partisse. Ele tinha que entrar na estalagem. Ali ele toma o pão, parte diante deles. Seus olhos de abrem. O pão partido, o corpo dado, o sangue derramado, o lado aberto, o amor até o fim. Era o Senhor. Os olhos dos discípulos se abrem.

Nesta primeira sexta-feira do mês contemplamos o peito aberto do Senhor e damo-nos conta de que Ele vive.

Cléofas e seu companheiro fugiram de Jerusalém e queriam buscar refúgio em Emaús. Meditemos nestas sérias e profundas palavras de José A. Pagola: “Precisamos aprender a lição de Emaús. A solução não está em abandonar a Igreja, mas em restabelecer nossa vinculação com algum grupo cristão, comunidade, movimento ou paróquia onde possamos compartilhar e reavivar a nossa esperança em Jesus. Onde há homens e mulheres que caminham perguntando-se por ele e aprofundando a sua mensagem, ali se torna presente o Ressuscitado. É possível que um dia, ao ouvir o Evangelho, sintam de novo “arder seu coração”. Onde há crentes que se encontram para celebrar juntos a Eucaristia, ali está o Ressuscitado alimentando sua vida. É possível que um dia “seus olhos se abram” e o vejam. Por mais morta que apareça aos nossos olhos, nesta Igreja habita o Ressuscitado. Por isso, aqui tem sentido os versos de Antonio Machado: “Acreditei que minha lareira estava apagada, revolvi as cinzas… e queimei a mão”

(Pagola, Lucas, p. 364).

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