terça-feira, 28 de novembro de 2017

FRANCISCO DE ASSIS: MEDITAÇÃO E ORAÇÃO – 2



POR FREI VITÓRIO MAZZUCO

Para meditar com Francisco de Assis é preciso mergulhar sem cessar e demorar-se bastante neste atributo divino: Deus é bom! E aqui voltamos novamente a Frei Constantino Koser, OFM: “Três letras apenas, mas que envolvem em si e evocam para Francisco toda a imensidade de mistérios sublimes e suaves, o seu Deus. O mais indefinível de todos os termos, o mais pleno de conteúdo, o de maior alcance, o mais divino, o mais semelhante ao próprio Deus Uno e Trino: Deus é bom. “Só Deus é bom” (Lc 18,19). “Deus caritas est”” (1Jo 4,16) (O Pensamento Franciscano, p.16).

“O Deus Uno e Trino no princípio parece um deserto, não porque o seja, mas porque a alma é incapaz de entender e de o amar. Aos poucos, à medida que o cavalheirismo, amparado e sobrenaturalizado pela graça divina, invadir o que parece deserto, ver-se-ão as flores, os encantos, a doçura, ver-se-á Deus Pai, Filho e Espírito Santo a abraçar divinamente suas criaturas, assemelhando-as mais e mais a Si mesmo em suavidade e bondade indizível. O conhecimento de Deus não dará trégua ao amor de Deus, e o amor de Deus não dará trégua ao conhecimento de Deus, estimulando a inteligência na busca do conhecimento cada vez mais profundo. Na medida em que aprofunda o conhecimento amoroso de Deus, nesta medida se conquista para Deus. Mas para que seja franciscano o modo de conhecer a Deus, é preciso que de fato o amor seja o incentivo da inteligência, o motivo e o estímulo de todas as horas e de todos os esforços” (O Pensamento Franciscano, p. 17).

Ao meditar o amor de Deus desafiava o amor: exigia insistentemente a resposta do amor. Sublime vocação das criaturas, de poderem amar a Deus. Privilégio excelso dos cavaleiros de Deus, de o poderem amar tão singularmente. Neste sentido, Francisco de Assis deu exemplo nas formas mais acabadas, mais completas, mais ardentes e mais sublimes. Clamava amargurado e feliz ao mesmo tempo pelo desejo desta felicidade do Amor: “É preciso amar muito a o Amor daquele que muito nos amou” (2Cel 196). Esta atitude radical de resposta de amor ao amor, ele expressou na Regra Não Bulada, capítulo 23: “Amemos todos de todo coração, de toda mente, e fortaleza, e com toda a inteligência, com todas as forças, com topo empenho, com todo afeto, do íntimo da alma, com todo o desejo e vontade ao Senhor Deus. Criou-nos e nos remiu, salvou-nos em pura misericórdia, cumulou-nos a nós (...) ingratos e tolos e maus, com todos os bens, e continua a cumular-nos. Nada pois, desejemos, nada queiramos, nada nos agrade ou alegre, a não ser o Criador, Redentor e Salvador nosso, o Deus único e verdadeiro que é o bem todo e verdadeiro, o supremo bem, o único bem.  É misericordioso e meigo e doce; Ele só é santo, justo, verdadeiro e reto; Ele só é benigno, inocente e casto; Ele de quem e por quem e em quem está todo perdão, toda graça, toda glória, de todos os penitentes e justos, de todos os santos que no céu conjuntamente se alegram. Quem nos dera que nós todos, em toda parte, em toda hora e em todos os tempos, todos os dias e continuamente creiamos, louvemos, bendigamos, glorifiquemos e sobreexaltemos; engrandeçamos e rendamos graças ao Deus Altíssimo e Supremo e Eterno, à Trindade e Unidade, ao Pai e ao Filho, ao Espírito Santo, ao Criador de todos. Para todos os que nele creem e nele esperam e o amam, é Ele sem princípio e sem fim, imutável, invisível, inenarrável, inefável, incompreensível, ininvestigável, bendito, louvável, glorioso, sobreexaltado, sublime e excelso, suave, amável, deleitoso e todo desejável mais que todas as coisas por todos os séculos sem fim. Amém”.

A meditação e oração em Francisco de Assis são palavras que jorram abundantemente do manancial de sua alma.

CONTINUA...

FONTE: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

sábado, 25 de novembro de 2017

FRANCISCO DE ASSIS: MEDITAÇÃO E ORAÇÃO – 1



Por FREI VITÓRIO MAZZUCO

Já me perguntaram mais do que uma vez: existe um método de oração ou meditação franciscana? O jeito franciscano não é de método, mas é mais viver em estado de oração e meditação. Menos técnica e mais vivência. Celano dizia que Francisco era um homem feito oração; e o modo como ele interage com todos os seres, o faz um natural meditativo sem método. Não encontramos nas Fontes um esquema tradicional explicitamente formulado. No cristianismo temos uma bela tradição como a meditação inaciana, o modo beneditino; ou então, meditação cristã que usa o modo oriental. Francisco é do século XIII e os métodos de meditação se fixaram no Ocidente a partir do século XV. O que escrevo aqui parte também de uma conversa com o saudoso Frei Alberto Beckhauser, OFM, com quem andei dialogando sobre isto.

Francisco de Assis, com sua personalidade individual plena de liberdade e uma consequente aversão a esquemas rígidos a serem aplicados a todos, não tem explicitamente uma meditação organizada e isto flui para a sua família franciscana. Mas se quisermos entender um caminho, um método, num sentido mais amplo, como modalidade, estilo ou atitude da alma que se empenha no “tu a Tu com Deus”, o que constitui uma meditação orante, podemos sim extrair, a partir da experiência de Francisco e seus seguidores, um exemplo e um ensinamento. Não existe um método franciscano de meditar ou orar, mas existe, sim, uma meditação orante que podemos qualificar como franciscana, pois a alma de Francisco não encontra obstáculos como a preocupação de exercício estudado e treinado.

Francisco de Assis não prescreveu aos seus discípulos formas e métodos de meditação e oração. Fez a sua experiência e deixou a seus frades a mais ampla liberdade, a fim de que cada um, exercendo suas faculdades pessoais, procurasse entender as inspirações do Senhor. Frei Alberto fala de um “cavalheirismo seráfico”, isto é, partir para a aventura de descobrir a bondade de Deus e o espetáculo de seu Amor em tudo o que existe. E para isto existe os caminhos da fraternidade conventual à fraternidade cósmica. Uma das paixões de Francisco era esconder-se sozinho nos bosques, frestas e grutas, separado de tudo e todos e ali entregar-se às reflexões sobre Deus e suas qualidades, sobretudo onde Ele é Belo e Bom. Ao conhecer o Criador conhecia-se cada vez mais como Criatura. Fazia um encontro entre Verdade e Realidade que vazava em preces breves como esta: “Senhor, quem sois vós e quem sou eu? Vós, o Altíssimo Senhor do céu e da terra; e eu um miserável vermezinho vosso ínfimo servo!” Ou aquela prece de atravessar noite: “Meus Deus e meu tudo!”

Este seu jeito de ser Fraternidade fazia uma imersão na Fraternidade Divina, a Trindade Santa, e exclamava com o coração incontido: “Ó quão glorioso e santo e grande é ter no céu um Pai! Ó quão santo e belo e deleitável é ter no céu um Esposo. Ó quão santo, dileto, aprazível e humilde, tranquilizante e doce e amorável e sobre todas as coisas desejável é ter semelhante Irmão, que deu a vida pelas suas ovelhas!” (Carta aos Fiéis, 54-56). Diz Frei Constantino Koser, OFM: “A riqueza infinita de Deus Uno e Trino, do Mistério Inefável, fundamento da vida espiritual franciscana, se refrata de modos incontáveis na retina finita da inteligência e da vontade criada. Aspectos mil há em Deus, cada qual mais amável, cada qual mais digno de consideração, cada qual por si só suficiente para a plenitude da felicidade extática pelas eternidades sem fim. A mentalidade de cada qual se espelhará nos atributos a que der preferência em suas meditações e preces. São Francisco deu preferência aos atributos que, em conjunto, manifestavam Deus como um Soberano de cavaleiros:  a grandeza, a glória, a sublimidade, a delicadeza na suavidade, modos corteses e finos, a justiça, a misericórdia, mas, mais que tudo, a bondade “  (Koser, Constantino, O Pensamento Franciscano, 15-16).

Assim meditando, contemplando, orando e saboreando, Francisco de Assis mais e mais submergia em Deus e acabava sentindo-se assoberbado pela majestade divina e ao mesmo tempo sublime, terrível, suave e delicada. E quando em seus arroubos se sentia irremediavelmente perdido, mergulhava na consideração da bondade divina, degustando a palavra em todas as formas: “Onipotente, santíssimo, altíssimo e sumo Deus, todo o bem e sumo bem, toda graça, toda glória, toda honra, toda a bênção e todos os bens vos tributamos para sempre”

CONTINUA...

Fonte: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

FREI VITÓRIO MAZZUCO

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Especial - Santa Isabel da Hungria, padroeira da Ordem Terceira Secular


Isabel da Hungria, a princesa entre os pobres.

Papa Bento XVI

Queridos irmãos e irmãs:

Santa Isabel da Hungria, chamada também de Isabel de Turíngia, nasceu em 1207, na Hungria. Os historiadores discutem onde. Seu pai era André II, rico e poderoso rei da Hungria, o qual, para reforçar seus vínculos políticos, havia se casado com a condessa alemã Gertrudes de Andechs-Merania, irmã de Santa Edwirges, que era esposa do duque de Silésia. Isabel viveu na corte húngara somente nos primeiros quatro anos da sua infância, junto a uma irmã e três irmãos. Ela gostava de música, dança e jogos; recitava com fidelidade suas orações e mostrava atenção particular aos pobres, a quem ajudava com uma boa palavra ou com um gesto afetuoso.

Sua infância feliz foi bruscamente interrompida quando, da distante Turíngia, chegaram alguns cavaleiros para levá-la à sua nova sede na Alemanha central. Segundo os costumes daquele tempo, de fato, seu pai havia estabelecido que Isabel se convertesse em princesa de Turíngia. O landgrave ou conde daquela região era um dos soberanos mais ricos e influentes da Europa no começo do século XIII e seu castelo era centro de magnificência e de cultura. Mas, por trás das festas e da glória, escondiam-se as ambições dos príncipes feudais, geralmente em guerra entre eles e em conflito com as autoridades reais e imperiais. Neste contexto, o conde Hermann acolheu com boa vontade o noivado entre seu filho Ludovico e a princesa húngara. Isabel partiu de sua pátria com um rico dote e um grande séquito, incluindo suas donzelas pessoais, duas das quais permaneceriam amigas fiéis até o final. São elas que deixaram preciosas informações sobre a infância e sobre a vida da santa.

Após uma longa viagem, chegaram a Eisenach, para subir depois à fortaleza de Wartburg, o maciço castelo sobre a cidade. Lá se celebrou o compromisso entre Ludovico e Isabel. Nos anos seguintes, enquanto Ludovico aprendia o ofício de cavaleiro, Isabel e suas companheiras estudavam alemão, francês, latim, música, literatura e bordado. Apesar do fato do compromisso ter sido decidido por razões políticas, entre os dois jovens nasceu um amor sincero, motivado pela fé e pelo desejo de fazer a vontade de Deus. Aos 18 anos, Ludovico, após a morte do seu pai, começou a reinar sobre Turíngia. Mas Isabel se converteu em objeto de silenciosas críticas, porque seu comportamento não correspondia à vida da corte. Assim também a celebração do matrimônio não foi fastuosa e os gastos do banquete foram distribuídos em parte aos pobres. Em sua profunda sensibilidade, Isabel via as contradições entre a fé professada e a prática cristã. Não suportava os compromissos. Uma vez, entrando na igreja na festa da Assunção, ela tirou a coroa, colocou-a aos pés da cruz e permaneceu prostrada no chão, com o rosto coberto. Quando uma freira a desaprovou por este gesto, ela respondeu: “Como posso eu, criatura miserável, continuar usando uma coroa de dignidade terrena quando vejo o meu Rei Jesus Cristo coroado de espinhos?”. Ela se comportava diante dos seus súditos da mesma forma que se comportava diante de Deus. Entre os escritos das quatro donzelas, encontramos este testemunho: “Não consumia alimentos sem antes estar certa de que procediam das propriedades e dos bens legítimos do seu marido. Enquanto se abstinha dos bens adquiridos ilicitamente, preocupava-se também por ressarcir àqueles que tivessem sofrido violência” (nn. 25 e 37). Um verdadeiro exemplo para todos aqueles que desempenham cargos: o exercício da autoridade, em todos os níveis, deve ser vivido como serviço à justiça e à caridade, na busca constante do bem comum.

Isabel praticava assiduamente as obras de misericórdia: dava de beber e de comer a quem batia à sua porta, distribuía roupas, pagava as dívidas, cuidava dos doentes e sepultava os mortos. Descendo do seu castelo, dirigia-se frequentemente com suas donzelas às casas dos pobres, levando pão, carne, farinha e outros alimentos. Entregava os alimentos pessoalmente e cuidava com atenção do vestuário e dos leitos dos pobres. Este comportamento foi informado ao seu marido, a quem isso não apenas não desagradou, senão que respondeu aos seus acusadores: “Enquanto ela não vender o castelo, estou feliz!”. Neste contexto se coloca o milagre do pão transformado em rosas: enquanto Isabel ia pela rua com seu avental cheio de pão para os pobres, encontrou-se com o marido, que lhe perguntou o que estava carregando. Ela abriu o avental e, no lugar dos pães, apareceram magníficas rosas. Este símbolo de caridade está presente muitas vezes nas representações de Santa Isabel.

Seu casamento foi profundamente feliz: Isabel ajudava seu esposo a elevar suas qualidades humanas ao nível espiritual e ele, por outro lado, protegia sua esposa em sua generosidade com os pobres e em suas práticas religiosas. Cada vez mais admirado pela grande fé de sua esposa, Ludovico, referindo-se à sua atenção aos pobres, disse-lhe: “Querida Isabel, é Cristo quem você lavou, alimentou e cuidou” – um claro testemunho de como a fé e o amor a Deus e ao próximo reforçam e tornam ainda mais profunda a união matrimonial.

O jovem casal encontrou apoio espiritual nos Frades Menores, que, desde 1222, difundiram-se em Turíngia. Entre eles, Isabel escolheu o Frei Rüdiger como diretor espiritual. Quando ele lhe narrou as circunstâncias da conversão do jovem e rico comerciante Francisco de Assis, Isabel se entusiasmou ainda mais em seu caminho de vida cristã. Desde aquele momento, dedicou-se ainda mais a seguir Cristo pobre e crucificado, presente nos pobres. Inclusive quando nasceu seu primeiro filho, seguido de outros dois, nossa santa não descuidou jamais das suas obras de caridade. Além disso, ajudou os Frades Menores a construir um convento em Halberstadt, do qual o Frei Rüdiger se tornou superior. A direção espiritual de Isabel passou, assim, a Conrado de Marburgo.

Uma dura prova foi o adeus ao marido, no final de junho de 1227, quando Ludovico IV se associou à cruzada do imperador Frederico II, recordando à sua esposa que esta era uma tradição para os soberanos de Turíngia. Isabel respondeu: “Não o impedirei. Eu me entreguei totalmente a Deus e agora devo entregar você também”. No entanto, a febre dizimou as tropas e o próprio Ludovico ficou doente e morreu em Otranto, antes de embarcar, em setembro de 1227, aos 26 anos. Isabel, ao saber da notícia, sentiu tal dor, que se retirou em solidão, mas depois, fortificada pela oração e consolada pela esperança de voltar a vê-lo no céu, interessou-se novamente pelos assuntos do reino. Outra prova, porém, a esperava: seu cunhado usurpou o governo de Turinga, declarando-se verdadeiro herdeiro de Ludovico e acusando Isabel de ser uma mulher piedosa incompetente para governar. A jovem viúva, com seus três filhos, foi expulsa do castelo de Wartburg e começou a procurar um lugar para refugiar-se. Somente duas de suas donzelas permaneceram junto dela, acompanharam-na e confiaram os três filhos aos cuidados de amigos de Ludovico. Peregrinando pelos povoados, Isabel trabalhava onde era acolhida, assistia os doentes, fiava e costurava. Durante este calvário, suportado com grande fé, paciência e dedicação a Deus, alguns parentes, que haviam permanecido fiéis a ela e consideravam ilegítimo o governo do seu cunhado, reabilitaram seu nome. Assim, Isabel, no início de 1228, pôde receber uma renda apropriada para retirar-se ao castelo familiar em Marburgo, onde vivia também seu diretor espiritual, Frei Conrado. Foi ele quem contou ao Papa Gregório IX o seguinte fato: “Na Sexta-Feira Santa de 1228, com as mãos sobre o altar da capela da sua cidade, Eisenach, onde havia acolhido os Frades Menores, na presença de alguns frades e familiares, Isabel renunciou à sua própria vontade e a todas as vaidades do mundo. Ela queria renunciar a todas as suas possessões, mas eu a dissuadi por amor aos pobres. Pouco depois, construiu um hospital, recolheu doentes e inválidos e serviu em sua própria mesa os mais miseráveis e abandonados. Tendo eu a repreendido por estas coisas, Isabel respondeu que dos pobres recebia uma especial graça e humildade” (Epistula magistri Conradi, 14-17).

Podemos ver nesta afirmação certa experiência mística parecida com a vivida por São Francisco: de fato, o Pobrezinho de Assis declarou em seu testamento que, servindo os leprosos, o que antes era amargo se transformou em doçura da alma e do corpo (Testamentum, 1-3). Isabel transcorreu seus últimos 3 anos no hospital fundado por ela, servindo os doentes, velando com os moribundos. Tentava sempre levar a cabo os serviços mais humildes e os trabalhos repugnantes. Ela se converteu no que poderíamos chamar de mulher consagrada no meio do mundo (soror in saeculo) e formou, com outras amigas suas, vestidas com um hábito cinza, uma comunidade religiosa. Não é por acaso que ela é padroeira da Terceira Ordem Regular de São Francisco e da Ordem Franciscana Secular.

Em novembro de 1231, foi vítima de fortes febres. Quando a notícia da sua doença se propagou, muitas pessoas foram visitá-la. Após cerca de 10 dias, ela pediu que fechassem as portas, para ficar a sós com Deus. Na noite de 17 de novembro, descansou docemente no Senhor. Os testemunhos sobre sua santidade foram tantos, que apenas quatro anos mais tarde, o Papa Gregório IX a proclamou santa e, no mesmo ano, consagrou-se a bela igreja construída em sua honra, em Marburgo.

Queridos irmãos e irmãs, na figura de Santa Isabel, vemos como a fé e a amizade com Cristo criam o sentido da justiça, da igualdade de todos, dos direitos dos demais e criam o amor, a caridade. E dessa caridade nasce a esperança, a certeza de que somos amados por Cristo e de que o amor de Cristo nos espera e nos torna, assim, capazes de imitá-lo e vê-lo nos demais. Santa Isabel nos convida a redescobrir Cristo, a amá-lo, a ter fé e, assim, encontrar a verdadeira justiça e o amor, como também a alegria de que um dia estaremos submersos no amor divino, no gozo da eternidade com Deus. Obrigado.

Benedictus PP XVI

Santa franciscana do dia - 17/11 - Santa Isabel da Hungria




Viúva da Terceira Ordem (1207-1231), padroeira da Ordem Terceira Franciscana. Canonizada por Gregório IX no dia 27 de maio de 1235.

Esta Santa do século XIII, padroeira da Ordem Terceira Franciscana, consumou a curta vida na prática do bem, deixando atrás de si uma esteira luminosa de amor, exemplo que a cristandade jamais esqueceu.

Isabel era uma princesa, filha do rei André da Hungria e sua esposa Gertrudes. Nascida em 1207, quando ainda era criança foi dada por esposa a Luís, conde da Turíngia, em cujo palácio cresceu no amor de Deus e do próximo. Passava noites inteiras em oração, e os dias a visitar doentes e socorrer os necessitados. Mas a sua grandeza da alma brilhou, sobretudo, após a morte do esposo, que se inscrevera numa cruzada, pois a família do defunto despojou-a de todos os bens e pô-la na rua com os filhos. 

Assim, aquela que tinha ajudado tanta gente e construíra hospitais para os súditos, viu-se forçada a procurar abrigo num estábulo de animais. No entanto, não queixou dessa tremenda injustiça: Pelo contrário, dirigiu-se a uma igreja dos Frades Menores e pediu para cantarem um Te Deum em ação de graças, por o Senhor a ter assemelhado a si na pobreza. Vestiu o hábito da Ordem Terceira e recebeu de São Francisco o próprio manto como prenda.

Quando mais tarde a justiça lhe repôs os direitos usurpados, que ela reivindicou para os filhos, não mudou de vida: continuou sempre a trabalhar com suas próprias mãos para ajudar os pobres. Com frequência recebia visitas do Senhor na oração.

Nos curtos 24 anos da vida terrena, Santa Isabel experimentou riqueza e miséria, honras e desprezo, e santificou todas as condições de vida duma mulher: extremamente religiosa desde a juventude, esposa afetuosa, mãe carinhosa de três filhos, senhora empenhada no bem do seu povo, viúva precoce espoliada de todos os bens, com três filhos famintos a sustentar e a educar, e em todas as circunstâncias irradiava alegria divina, porque sempre e em tudo se sentia amparada pelo amor de Deus. E o Senhor não a abandonou: os filhos foram reconhecidos como príncipes herdeiros. Para si mesma conservou apenas o tesouro inestimável da pobreza franciscana, que lhe tinha revelado a doçura de Deus.

A faceta mais característica da sua vida é a caridade para com os pobres, a quem ajudava com régia generosidade e visitava nas barracas onde viviam. É célebre o episódio do seu marido, Luís, que cruzou com a esposa quando ela levava escondidas, debaixo da capa, provisões para alguns pobres. Perguntando-lhe ele o que levava escondido, ela simplesmente levantou a capa, e apareceu um belo buquê de rosas, apesar de estar em pleno inverno. Outra vez foi um leproso a quem ela tinha lavado os pés e dado de comer, e depois deixara dormir no seu próprio leito. Quando o marido regressou e soube do caso, ficou indignado e quis ver quem era esse leproso que se tinha enfiado na sua própria cama. Qual não foi o seu espanto quando ao abrir a porta viu o próprio Cristo num nimbo de luz, que logo desapareceu e deixou radiante os dois cônjuges.

Morreu aos 24 anos, a 17 de novembro de 1231, e foi sepultada em Marbugo no dia 19 do mesmo mês.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Especial -Santa Isabel da Hungria, padroeira da Ordem Terceira Secular


Testemunho de caridade de Santa Isabel da Hungria

Papa Bento XVI

O testemunho de caridade da jovem Santa Isabel da Hungria mantém toda sua atualidade para seus compatriotas, para os europeus e para os fiéis do mundo inteiro, reconhece o Papa.

As celebrações especiais pelo VIII centenário do nascimento dessa grande figura da Igreja universal deram ocasião a Bento XVI para relançá-la, em uma carta enviada por esta ocasião ao cardeal Peter Erdo — arcebispo de Estergom-Budapeste –, primaz da Hungria e presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa.

Para o Papa, as festas por este centenário — às quais se une espiritualmente — serão uma oportunidade «para propor a todo o Povo de Deus, e especialmente à Europa, o esplêndido testemunho dessa santa «européia», cuja fama ultrapassou os confins de sua pátria, envolvendo muitíssimas pessoas também não cristãs em todo o continente».

Nascida em 1207 na nova Hungria cristã, Isabel fez seu o programa de Jesus Cristo, Filho de Deus que, fazendo-se homem — aponta o Papa — «se despojou de si mesmo assumindo a condição de servo» (Flp 2,7); com a ajuda de «ótimos mestres», «seguiu os passos de São Francisco de Assis, propondo-se como pessoal e último objetivo conformar sua existência à de Cristo».

Chamada ao matrimônio com o príncipe Luis VI da Turíngia, Isabel «não cessou de dedicar-se à atenção dos pobres, em quem reconhecia o semblante do Divino Mestre», recorda Bento XVI.

Ela viveu de tal forma que «soube unir os dotes de esposa e mãe exemplar — afirma o Papa — ao serviço das virtudes evangélicas, aprendidas na escola do santo de Assis»; «revelou-se verdadeira filha da Igreja, oferecendo um testemunho concreto, visível e significativo da caridade de Cristo».

São inúmeras as pessoas que, ao longo dos séculos, «seguiram seu exemplo, contemplando-a como um modelo de virtudes cristãs, vividas de maneira radical no matrimônio, na família e também na viuvez», constata o Santo Padre em sua carta, difundida no sábado — em italiano, húngaro e alemão — pela Sala de Informação da Santa Sé.

Em Santa Isabel da Hungria — falecida aos 24 anos — também «se inspiraram personalidades políticas, tirando de sua figura impulso para trabalhar na reconciliação dos povos», sublinha Bento XVI.

Em 17 de novembro passado, teve início, em Roma, o ano internacional dedicado a Isabel da Hungria, uma iniciativa — reconhece o Santo Padre — «que está dando novos estímulos para compreender melhor a espiritualidade» da santa «que recorda ainda hoje a seus compatriotas e aos habitantes do continente europeu a importância dos valores imperecíveis do Evangelho».

O Papa confia em que o conhecimento mais profundo da personalidade e obra de Santa Isabel da Hungria e Turíngia «ajude a redescobrir cada vez com consciência mais viva as raízes cristãs da Hungria e da própria Europa, impulsionando os responsáveis a desenvolver de forma harmônica e respeitosa o diálogo entre Igreja e sociedade civil, para construir um mundo realmente livre e solidário».

O Santo Padre expressa igualmente seu desejo de que este ano internacional constitua «para húngaros, alemães e para todos os europeus uma ocasião propícia para evidenciar a herança cristã recebida de seus pais», para continuar «tirando daquelas raízes a seiva necessária para uma frutificação abundante no novo milênio, há pouco iniciado».

Papa Bento XVI

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Especial - Santa Isabel da Hungria, padroeira da Ordem Terceira Secular



Isabel conheceu e amou Cristo nos pobres

Da Carta escrita por Conrado de Marburgo, diretor espiritual de Santa Isabel, diretor espiritual de Santa Isabel, escrita ao pontífice, no ano de 1232.

Muito cedo começou Isabel a possuir grandes virtudes. Do mesmo modo como a vida inteira foi a consoladora dos pobres, era também desde então a providência dos famintos. Determinou a construção de um hospital, perto de um castelo de sua propriedade, onde recolheu muitos enfermos e enfraquecidos. A todos que ali iam pedir esmola, distribuiu liberalmente suas dádivas; e não só ali, mas em todo o território sob a jurisdição de seu marido. Destinou para isto a renda de quatro dos principados do esposo, e foi ao ponto de mandar vender seus adornos e vestes preciosas em benefício dos pobres.

Tinha o costume de, duas vezes ao dia, pela manhã e à tarde, visitar pessoalmente seus doentes, e chegava mesmo a tratar com as próprias mãos os mais repelentes. A alguns deles alimentava, a outros preparava o leito, a outros até carregava nos ombros. Assim realizava muitas obras de bondade. Em tudo isto seu marido, de feliz memória, não se mostrava contrariado. Contudo, após a morte deste, tendendo para a máxima perfeição, rogou-me com lágrimas que lhe permitisse ir mendigar de porta em porta.

Numa Sexta-feira Santa, desnudados todos os altares, em uma capela de seu castelo onde acolhera os frades franciscanos, colocou as mãos sobre o altar e, na presença de umas poucas pessoas, renunciou à própria vontade e a todas as pompas mundanas e a tudo quanto o Salvador no evangelho aconselhara abandonar. Feito isto, vendo que poderia deixar-se absorver pelo tumulto do século e glória mundana, naquela terra onde vivera com esplendor em vida do esposo, seguiu-me contra minha vontade a Marburgo. Nesta cidade construiu um hospital para doentes e necessitados, chamando à sua mesa os mais miseráveis e desprezados.

Além desta atuação operosa, digo-o diante de Deus, raramente vi mulher mais contemplativa. Algumas pessoas e mesmo religiosos, na hora de sua oração particular, viram muitas vezes seu rosto brilhar maravilhosamente e como que raios de sol jorrarem de seus olhos.

Antes da morte ouvi-a em confissão. Indagando-lhe, então, qual o seu desejo em relação ao que possuía e a seus móveis, respondeu que tudo quanto parecia possuir já pertencia aos pobres e pediu-me distribuir-lhes tudo, reservando apenas a túnica vulgar que vestia e coma qual queria ser sepultada. Depois, recebeu o corpo do Senhor e, em seguida, até à hora de Vésperas falou bastante sobre as ótimas coisas que ouvira no sermão. Finalmente, com toda devoção, recomendando a Deus todos os presentes, expirou como se adormecesse suavemente.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Especial -Santa Isabel da Hungria, padroeira da Ordem Terceira Secular


Um modelo de zelo para salvar o mundo

Diz a lenda que Isabel foi invocada mesmo antes de nascer. Um vidente anunciou seu glorioso nascimento como estrela que nasceria na Hungria, passaria a brilhar na Alemanha e se irradiaria para o mundo. Citou-lhe o nome, como filha do rei da Hungria e futura esposa do soberano de Eisenach (Alemanha).

De fato, como previsto, a filha do rei André, da Hungria, e da rainha Gertrudes, nasceu em 1207. O batismo da criança foi uma festa digna de reis. E a criança recebeu o nome de Isabel, que significa repleta de Deus.

Ela encantou o reino e trouxe paz e prosperidade para o governo de seu pai. Desde pequenina se mostrou de fato repleta de Deus pela graça, pela beleza, pelo precoce espírito de oração e pela profunda compaixão para com os sofredores.

Tinha apenas quatro aninhos quando foi levada para a longínqua Alemanha como prometida esposa do príncipe Luís, nascido em 1200, filho de Hermano, soberano da Turíngia. Hermano se orientava pela profecia e desejava assegurar um matrimônio feliz para seu filho.

Dada a sua vida simples, piedosa e desligada das pompas da corte, concluíram que a menina não seria companheira para Luis. E a perseguiam e maltratavam, dentro e fora do palácio.

Luis, porém, era um cristão da fibra do pai. Logo percebeu o grande valor de Isabel. Não se impressionava com a pressão dos príncipes e tratou de casar-se quanto antes. O que aconteceu em 1221.

A Santa não recuava diante de nenhuma obra de caridade, por mais penosas que fossem as situações, e isso em grau heróico! Certa vez, Luis a surpreendeu com o avental repleto de alimentos para os pobres. Ela tentou esconder… Mas ele, delicadamente, insistiu e… milagre! Viu somente rosas brancas e vermelhas, em pleno inverno. Feliz, guardou uma delas.

Sua vida de soberana não era fácil e freqüentemente tinha que acompanhar o marido em longas e duras cavalgadas. Além disso, os filhos, Hermano, de 1222; Sofia, de 1224 e Gertrudes, de 1227.
Estava grávida de Gertrudes, quando descobriu que o duque Luis se comprometera com o Imperador Frederico II a seguir para a guerra das Cruzadas para libertar Jerusalém. Nova renúncia duríssima! E mais: antes mesmo de sair da Itália, o duque morre de febre, em 1227! Ela recebe a notícia ao dar à luz a menina.

Quando Luis ainda vivia, ele e Isabel receberam em Eisenach alguns dos primeiros franciscanos a chegar na Alemanha por ordem do próprio São Francisco. Foi-lhes dado um conventinho. Assim, a Santa passou a conhecer o Poverello de Assis e este a ter freqüentes notícias dela. Tornou-se mesmo membro da Familia Franciscana, ingressando na Ordem Terceira que Francisco fundara para leigos solteiros e casados. Era, pois, mais que amiga dos frades. Chegou a receber de presente o manto do próprio São Francisco!

Morto o marido, os cunhados tramaram cruéis calúnias contra ela e a expulsaram do castelo de Wartburgo. E de tal forma apavoraram os habitantes da região, que ninguém teve coragem de acolher a pobre, com os pequeninos, em pleno inverno. Duas servas fiéis a acompanharam, Isentrudes e Guda.

De volta ao Palácio quando chegaram os restos mortais de Luís, Isabel passou a morar no castelo, mas vestida simplesmente e de preto, totalmente afastada das festas da corte. Com toda naturalidade, voltou a dedicar-se aos pobres. Todavia, Lá dentro dela o Senhor a chamava para doar-se ainda mais. Mandou construir um conventinho para os franciscanos em Marburgo e lá foi morar com suas servas fiéis. Compreendeu que tinha de resguardar os direitos dos filhos. Com grande dor, confiou os dois mais velhos para a vida da corte. 

Hermano era o herdeiro legitimo de Luis. A mais novinha foi entregue a um Mosteiro de Contemplativas, e acabou sendo Santa Gertrudes! Assim, livre de tudo e de todos, Isabel e suas companheiras professaram publicamente na Ordem Franciscana Secular e, revestidas de grosseira veste, passaram a viver em comunidade religiosa. O rei André mandou chamá-las, mas ela respondeu que estava de fato feliz. Por ordem do confessor, conservou alguma renda, toda revertida para os pobres e sofredores.

Construiu abrigo para as crianças órfãs, sobretudo defeituosas, como também hospícios para os mais pobres e abandonados. Naquele meio, ela se sentia de fato rainha, mãe, irmã. Isso no mais puro amor a Cristo. No atendimento aos pobres, procurava ser criteriosa. Houve época, ainda no palácio, em que preferia distribuir alimentos para 900 pobres diariamente, em vez de dar-lhes maior quantia mensalmente. É que eles não sabiam administrar. Recomendava sempre que trabalhassem e procurava criar condições para isso. Esforçava-se para que despertassem para a dignidade pessoal, como convém a cristãos. E são inúmeros os seus milagres em favor dos pobres!

De há muito que Isabel, repleta de Deus, era mais do céu do que da terra. A oração a arrebatava cada vez mais. Suas servas atestam que, nos últimos meses de vida, frequentemente uma luz celestial a envolvia. Assim chegou serena e plena de esperança à hora decisiva da passagem para o Pai. Recebeu com grande piedade os sacramentos dos enfermos. Quando seu confessor lhe perguntou se tinha algo a dispor sobre herança, respondeu tranqüila: “Minha herança é Jesus Cristo !” E assim nasceu para o céu! Era 17 de novembro de 1231.

Sete anos depois, o Papa Gregório IX, de acordo com o Conselho dos Cardeais, canonizou solenemente Isabel. Foi em Perusa, no mesmo lugar da canonização de São Francisco, a 26 de maio de 1235, Pentecostes. Mais tarde foi declarada Padroeira da Ordem Franciscana Secular.

FREI CARMELO SURIAN, O.F.M.

Extraído de : http://franciscanos.org.br/

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Especial -Santa Isabel da Hungria, padroeira da Ordem Terceira Secular


As duas paixões de Isabel de Hungria

Mensagem do Ministro Geral para o Jubileu de 2007

Queridos irmãos: O Senhor lhes dê a paz!

Que mensagem nos dirige, Irmãos Menores, a figura de Santa Isabel? Que pode dizer aos franciscanos de hoje, uma mulher envolta na penumbra de um passado remoto e em um mundo cheio de legendas? Que pode nos dizer esta mulher passados tantos anos e tantas coisas?

Sua mensagem, e que a converte em uma figura realmente atual, ganha força em suas duas grandes paixões: a paixão por Cristo e a paixão pelos pobres. Uma dupla paixão que a coloca em perfeita sintonia espiritual e carismática com Francisco, a quem sem dúvida se inspirou, e com Clara, ambos corações conquistados por Cristo e conquistados pelos pobres, nos quais descubriram a Cristo. Toda sua vida, inclusive sua vida de extrema penitência, só pode ser entendida à luz destas duas paixões.

No caso de Isabel, sua paixão por Cristo levou-a assumir o Evangelho como sua forma de vida, e a vivê-lo no mais genuíno estilo de Francisco: simplesmente, sem rodeios, em todos seus aspectos espiritual e material. Propósito este que se manifesta em suas atitudes existenciais mais profundas, tais como: o reconhecimento do senhorio absoluto de Deus; a exigência de despojar-se de tudo e fazer-se pequena como uma criança para entrar no reino do Pai; o cumprimento, até suas últimas consequências, do mandamento novo do amor.

Ela não deixou nada escrito, mas numerosas passagens de sua vida só podem ser entendidas a partir de uma compreensão literal do Evangelho. Tornou realidade o programa de vida proposto por Jesus no Evangelho:

>> Quem procura ganhar a sua vida , vai perdê -la; e quem a perde , vai conservá -la; Pois , quem quiser salvar a sua vida , vai perdê -la; mas , quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia , vai salvá -la (Lc 17, 33; Mc 8, 35).
>> Então Jesus chamou a multidão e os discípulos . E disse : «Se alguém quer me seguir , renuncie a si mesmo , tome a sua cruz e me siga . Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la (Mc 8, 34-35).

>> Jesus respondeu : «Se você quer ser perfeito , vá , venda tudo o que tem , dê o dinheiro aos pobres , e você terá um tesouro no céu . Depois venha , e siga -me (Mt 19,21).

>> Quem ama seu pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim. (Mt 10,37).

Sua paixão por Cristo se manifestava e se alimentava graças à uma comunhão profunda com Ele através de uma vida de oração intensa, contínua, às vezes, até o arrebatamento. A consciência constante da presença do Senhor era a fonte de sua fortaleza, de sua alegria, e de seu compromisso com os pobres. Mas também o encontro com o Cristo nos pobres estimulava sua fé e sua prece, pois seu encontro com eles a fazia “identificar-se” com eles. Nada estranho, pois na sua peregrinação para Deus, estava marcada por passos decididos de desprendimento até chegar ao depojamento total como Cristo na cruz. Ao final não lhe restou nada mais que uma túnica cinza e pobre de penitência, que quis conservar como símbolo e mortalha.

Sua paixão por Cristo, que sendo rico se fez pobre, levou Isabel a segui-lo radicalmente e a descobri-lo e servi-lo em seus “representantes, os pobres e crucificados da terra”, como disse o documento final de nosso Capítulo Extraordinário (Shc 9). Isabel servia pessoalmente aos abatidos, aos pobres e enfermos. Cuidou dos leprosos, a escória da sociedade, como Francisco. Dia a dia, hora a hora, pobre a pobre, viveu e consumiu a misericordia de Deus no rio de dor e de miséria que a envolvia. Nos desventurados, Isabel via a pessoa de Cristo (Mt 25,40). Isto lhe deu forças para vencer sua repugnancia natural, tanto que chegou até a beijar as feridas purulentas dos leprosos.

Forjada na forma evangélica de Francisco de Assis, como Poverello, e Clara, sua “Plantinha”, Isabel abandonou os romances e ambições do mundo, a pompa de sua corte, as comodidades, as riquezas, os trajes de luxo… Deixou seu castelo e armou sua tenda entre os desprezados e feridos para servi-los.

A santidade consiste em amar como Jesus amou. Amar a Deus e amar o próximo, dois mandamentos que não se podem separar. Paixão por Cristo, paixão pelos pobres, duas paixões que necessariamente vão sempre juntas. Tudo isso não será uma loucura? Sim, esta a loucura de amor que não conhece limites, é a loucura da santidade. E a de Isabel é uma autêntica loucura. Em sua vida brilha com singular esplendor a supremacia da caridade. Sua pessoa é um canto de amor, modelado no serviço e abnegação, para semear o bem. É esse amor que fez brotar nela uma ardente força interior, própria de uma “mulher varonil”, como é Isabel, e levava-a irradiar alegria e serenidade, mesmo na tribulação, solidão e dor. E fiel ao que escreveu: “Temos de fazer os homens felizes”, conforme dizia às suas irmãs, Isabel alegrava o coração de quem a ela se acercava. O fundo de sua alma estava habitado pelo reino da paz.

Isabel passou por esta vida como um meteoro luminoso de esperança. Lançou luzes na escuridão de muitas almas. Levou a alegria aos corações dos aflitos. Nada poderá contar as lágrimas que secou, as feridas que cicatrizou, o amor que despertou.

Neste momento em que nossa Ordem está empenhada na renovação profunda para seguir “mais de perto” e “mais radicalmente” a Cristo, e quando o Capítulo Geral Extraordinário nos convidou repetidas vezes a “ser menores com os menores da terra”, Isabel se nos apresenta não só como uma mulher profundamente evangélica, senão também como um modelo a seguir em sua paixão por Cristo e pelos pobres.

Invoquemos a personalidade tão singular de Isabel, para que, através do conhecimento e da admiração por esta figura, todos quantos que seguimos a Cristo, seguindo os passos de Francisco, de Clara e de Isabel, nos convertamos em instrumentos de paz e alegria, e aprendamos a derramar um pouco de bálsamo nas feridas de nosso entorno, a humanizar o que nos rodeia, a secar algumas lágrimas. Coloquemos nosso coração onde não há misericórdia do Pai. O compromisso que viveu Isabel estimule nosso compromisso. Seu exemplo e intercessão iluminam nosso caminho até o Pai, fonte de todo o amor: o Bem, todo o bem, sumo bem; o silêncio e o júbilo.

Mensagem do Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, Fr. José Rodríguez Carballo, OFM, no dia 17 de novembro de 2006, quando foi aberto do ano jubilar do 8º Centenário de Nascimento de Santa Isabel, que se encerrou no dia 17 de novembro de 2007.

Extraído de: http://franciscanos.org.br/ 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Especial - Santa Isabel, padroeira da Ordem Terceira Secular.



Quem é Santa Isabel da Hungria?


Diz a lenda que Isabel foi invocada mesmo antes de nascer. Um vidente anunciou seu glorioso nascimento como estrela que nasceria na Hungria, passaria a brilhar na Alemanha e se irradiaria para o mundo. Citou-lhe o nome, como filha do rei da Hungria e futura esposa do soberano de Eisenach (Alemanha).

De fato, como previsto, a filha do rei André, da Hungria, e da rainha Gertrudes, nasceu em 1207. O batismo da criança foi uma festa digna de reis. E a criança recebeu o nome de Isabel, que significa repleta de Deus.

Ela encantou o reino e trouxe paz e prosperidade para o governo de seu pai. Desde pequenina se mostrou de fato repleta de Deus pela graça, pela beleza, pelo precoce espírito de oração e pela profunda compaixão para com os sofredores.

Tinha apenas quatro aninhos quando foi levada para a longínqua Alemanha como prometida esposa do príncipe Luís, nascido em 1200, filho de Hermano, soberano da Turíngia. Hermano se orientava pela profecia e desejava assegurar um matrimônio feliz para seu filho.

Dada a sua vida simples, piedosa e desligada das pompas da corte, concluíram que a menina não seria companheira para Luis. E a perseguiam e maltratavam, dentro e fora do palácio.

Luis, porém, era um cristão da fibra do pai. Logo percebeu o grande valor de Isabel. Não se impressionava com a pressão dos príncipes e tratou de casar-se quanto antes. O que aconteceu em 1221.

A Santa não recuava diante de nenhuma obra de caridade, por mais penosas que fossem as situações, e isso em grau heróico! Certa vez, Luis a surpreendeu com o avental repleto de alimentos para os pobres. Ela tentou esconder… Mas ele, delicadamente, insistiu e… milagre! Viu somente rosas brancas e vermelhas, em pleno inverno. Feliz, guardou uma delas.

Sua vida de soberana não era fácil e freqüentemente tinha que acompanhar o marido em longas e duras cavalgadas. Além disso, os filhos, Hermano, de 1222; Sofia, de 1224 e Gertrudes, de 1227.
Estava grávida de Gertrudes, quando descobriu que o duque Luis se comprometera com o Imperador Frederico II a seguir para a guerra das Cruzadas para libertar Jerusalém. Nova renúncia duríssima! E mais: antes mesmo de sair da Itália, o duque morre de febre, em 1227! Ela recebe a notícia ao dar à luz a menina.

Quando Luis ainda vivia, ele e Isabel receberam em Eisenach alguns dos primeiros franciscanos a chegar na Alemanha por ordem do próprio São Francisco. Foi-lhes dado um conventinho. Assim, a Santa passou a conhecer o Poverello de Assis e este a ter freqüentes notícias dela. Tornou-se mesmo membro da Familia Franciscana, ingressando na Ordem Terceira que Francisco fundara para leigos solteiros e casados. Era, pois, mais que amiga dos frades. Chegou a receber de presente o manto do próprio São Francisco!

Morto o marido, os cunhados tramaram cruéis calúnias contra ela e a expulsaram do castelo de Wartburgo. E de tal forma apavoraram os habitantes da região, que ninguém teve coragem de acolher a pobre, com os pequeninos, em pleno inverno. Duas servas fiéis a acompanharam, Isentrudes e Guda.

De volta ao Palácio quando chegaram os restos mortais de Luís, Isabel passou a morar no castelo, mas vestida simplesmente e de preto, totalmente afastada das festas da corte. Com toda naturalidade, voltou a dedicar-se aos pobres. Todavia, Lá dentro dela o Senhor a chamava para doar-se ainda mais. Mandou construir um conventinho para os franciscanos em Marburgo e lá foi morar com suas servas fiéis. Compreendeu que tinha de resguardar os direitos dos filhos. Com grande dor, confiou os dois mais velhos para a vida da corte. Hermano era o herdeiro legitimo de Luis. A mais novinha foi entregue a um Mosteiro de Contemplativas, e acabou sendo Santa Gertrudes! Assim, livre de tudo e de todos, Isabel e suas companheiras professaram publicamente na Ordem Franciscana Secular e, revestidas de grosseira veste, passaram a viver em comunidade religiosa. O rei André mandou chamá-las, mas ela respondeu que estava de fato feliz. Por ordem do confessor, conservou alguma renda, toda revertida para os pobres e sofredores.

Construiu abrigo para as crianças órfãs, sobretudo defeituosas, como também hospícios para os mais pobres e abandonados. Naquele meio, ela se sentia de fato rainha, mãe, irmã. Isso no mais puro amor a Cristo. No atendimento aos pobres, procurava ser criteriosa. Houve época, ainda no palácio, em que preferia distribuir alimentos para 900 pobres diariamente, em vez de dar-lhes maior quantia mensalmente. É que eles não sabiam administrar. Recomendava sempre que trabalhassem e procurava criar condições para isso. Esforçava-se para que despertassem para a dignidade pessoal, como convém a cristãos. E são inúmeros os seus milagres em favor dos pobres!

De há muito que Isabel, repleta de Deus, era mais do céu do que da terra. A oração a arrebatava cada vez mais. Suas servas atestam que, nos últimos meses de vida, frequentemente uma luz celestial a envolvia. Assim chegou serena e plena de esperança à hora decisiva da passagem para o Pai. Recebeu com grande piedade os sacramentos dos enfermos. Quando seu confessor lhe perguntou se tinha algo a dispor sobre herança, respondeu tranqüila: “Minha herança é Jesus Cristo !” E assim nasceu para o céu! Era 17 de novembro de 1231.

Sete anos depois, o Papa Gregório IX, de acordo com o Conselho dos Cardeais, canonizou solenemente Isabel. Foi em Perusa, no mesmo lugar da canonização de São Francisco, a 26 de maio de 1235, Pentecostes. Mais tarde foi declarada Padroeira da Ordem Franciscana Secular.

FREI CARMELO SURIAN, O.F.M.

Extraído de: http://franciscanos.org.br/

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

“Amor com amor se paga”, reflexão para esta 1ª Sexta-feira.



Reflexão sobre o Sagrado Coração de Jesus para a primeira sexta-feira do mês.

Não havia nada mais a fazer. Ele estava pendurado entre o céu a terra: abandono, solidão, dores, constrangimento, perguntas, questionamentos. Por quê? Por quê? No meio da tarde da véspera de um dia de festa dos judeus, Jesus, o mais belo de todos os filhos dos homens, morre, entrega seu espírito (ou seu Espírito?. Um coração que pulsou até o fim. Um amor sem limites. E amor com amor se paga.

• Esse Deus altíssimo, bom, bem, sumo bem que, em Jesus, se entrega aos homens, ama, sem condições, sem reservas e ensina que o sentido da vida é o dom, o amor, a oferenda da vida para a vida do mundo. Cada um de nós toma consciência de que conta aos olhos do Altíssimo, quando contempla o peito aberto de Jesus. Quando alguém ter certeza de ser amado encontra sentido para viver. E quem o ama é aquele que tudo cria, tudo ordena, tudo busca. Amor se paga com amor. Jesus, o amor sem limites.

• Será preciso fazer lugar na vida para o Senhor empurrar a porta e fazer suas propostas. Preciso ouvir. Àquele que me ama… viremos a ele faremos a nossa morada. Meu coração não pode estar tão cheio de mim mesmo, de meus projetinhos ordinários. Será preciso viver na presença daquele cujo Filho teve o peito aberto para mostrar amor. Os devotos do Coração de Jesus são pessoas sensíveis à voz do Senhor e se entregam à oração gratuita.

• Quem me ama tem o direito de pedir e de pedir tudo. Os que amam o Senhor se tornam discípulos: ganham o jeito de falar de Jesus, de quando em vez, com outros vocábulos, usam as mesmas ideias de Jesus e, de alguma forma, reescrevem páginas do Evangelho na trama de sua vida.

• Esse Amor que morreu por mim morreu também pelos drogados, detentos, assassinos, moribundos, abandonados, perdidos. O Coração de Jesus, o amor jorrando do peito do Senhor, fez Francisco de Assis procurar o leproso, cuidar do leproso, ser para o outro. Fez com que Teresa, a mulher dos moribundos de Calcutá, se tornasse luz nas trevas. Esse amor do Coração aberto faz com que maridos se amem de verdade, com que muitos e muitas se tornem seres abertos para… O amor liberta.

• Amor, amor que precisa ser com garra, com fogo, com ardor. (Notker Wolf, em “Os sete pilares a felicidade”, Vozes, p. 139) fala de um amor ardente: “Um coração só é feliz quando é um coração que arde de amor. Madre Teresa de Calcutá assim definiu a paixão como caminho para a felicidade a alegria. Com certeza, o amor apaixonado não é uma exclusividade do amor erótico ou sexual. Também ocorre na ação caritativa aos outros. Aliás, também na função pastoral. Um sacerdote local tem que gostar das pessoas. Ter paixão pelas pessoas não significa cair de amor por elas, e sim ter um grande coração voltado para elas. Se um padre não é assim seja melhor ele se dedicar a alguma função administrativa ou trabalhar num arquivo”.

• Amor, realmente, com amor se paga…

Frei Almir Guimarães

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Especial Finados: “A morte na mística franciscana”.



Quando algum dos nossos termina a caminhada…

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Caminho… Caminhada… É comum, na espiritualidade, lançar-se mão desta metáfora no intuito de ilustrar o dinamismo da história humana. A vida não é estática. É movimento, mudança, percurso, trajeto. Não poucas vezes, na Sagrada Escritura e na vida dos Santos, o caminho se apresenta como rota de conversão, de amadurecimento, de tomada das grandes decisões. Basta recordar a peregrinação do Povo de Israel, 40 anos pelo deserto, retornando do exílio para a terra prometida, das muitas andanças de Jesus Cristo e de Francisco de Assis, quando este volta das Apúlias para sua terra natal, com desejo ardente de atender ao convite do Senhor. Movimento, mudança, questionamento e insegurança quase sempre são elementos constituintes destas caminhadas.

Na vida individual tal fenômeno também é perceptível: cada pessoa experimenta na própria história os efeitos do caminho empreendido. Relações, decisões, alegrias, decepções e dúvidas dão a tônica desta caminhada, até o dia em que, às vezes lenta, às vezes abruptamente, ela chega ao fim. A certeza da finitude funciona como uma espécie de bússola ou, mais modernamente falando, de um GPS que orienta as escolhas e opções de cada um.

Monteiro Lobato, com arte e maestria, dá voz à personagem Emília: “A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais […] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?”

Apesar de ser caminhada individual, a existência humana é uma obra em aberto, principalmente no que diz respeito às relações que permite criar. No paradoxo humano, cada individualidade é fruto de uma relação que tende a expandir suas tramas configuradas pela consanguinidade, pela identificação, pela simpatia, pela amizade, pela necessidade. E é neste aspecto que o tema da finitude ganha força e repercussão, não na história de quem finda sua caminhada, mas se lança como desafio imperativo para quem permanece na estrada. Lidar com a partida daquele que se ama é tarefa inadiável e intransferível, é o preço que se paga por se viver relacionalmente.

E é sobre este nó da trama vital que a presente reflexão deseja se debruçar, principalmente no que diz respeito à abordagem pastoral da questão, revelando o rosto de uma Igreja companheira e solidária com seus filhos e filhas que atravessam este obscuro vale em sua caminhada de vida: a partida de um ente querido. O termo “Igreja” aqui compreendido de forma ampla, na presença dos ministros, ordenados ou instituídos, na atuação de uma pastoral específica, na disponibilidade de uma comunidade capaz de se solidarizar.

Em um primeiro momento, algumas considerações a partir da espiritualidade cristã. Logo após, o texto se ocupará em tecer comentários a partir de situações que a própria prática pastoral apresenta, a saber: A partida como coroamento de uma longa caminhada; a partida de quem atravessa o calvário da doença; a partida repentina. É evidente que a complexidade e a variação quase infinita dos arranjos das inúmeras possibilidades individuais ultrapassam de longe os poucos aspectos aqui descritos. Eles são apenas alguns acenos aproximativos que buscam provocar a reflexão.

1.  ALGUNS OLHARES A PARTIR DA ESPIRITUALIDADE
1.1  A vida do justo e a sabedoria do Antigo Testamento
O Livro da Sabedoria traz reflexões que abordam diferentes situações da vida, mais ou menos agradáveis. “A vida dos justos está nas mãos de Deus” (Sb 3,1) é uma constatação do autor que aborda a última passagem do ser humano, peregrino e viajante por natureza. É a passagem desta vida para a vida eterna.

A justiça é um bem divino e o ser humano que pauta sua vida na busca e no cultivo dela se aproxima cada vez mais de Deus. Não é à toa que, no Livro de Jeremias, Deus aparece designado como “Senhor, nossa justiça” (Jr 23,6).

Na história da Salvação muitos foram denominados justos; todos aqueles que souberam conduzir suas vidas pelos caminhos do Senhor. No Novo Testamento, aparece, por exemplo, o justo José, pai adotivo de Jesus, que se lançou de corpo e alma como colaborador efetivo do projeto de Deus.

Quem vive justamente parte como justo e é acolhido com amor pelo Senhor. Importante é lembrar que viver retamente não significa passar pela existência sem cometer erros. Os tropeços e enganos fazem parte da história humana. Mais importante do que evitá-los a qualquer preço, às vezes às custas de um escrúpulo paralisante, é cultivar, cada um em si, um auto-reconhecimento das próprias limitações e, apesar delas, seguir em frente, com confiança na misericórdia de Deus.

E o justo sabe bem disso. “A vida dos justos, ao contrário, está nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos, aqueles pareciam ter morrido, e seu fim foi considerado como desgraça. Os insensatos pensavam que a partida dos justos do nosso meio era um aniquilamento, mas agora estão na paz. As pessoas pensavam que os justos estavam cumprindo uma pena, mas esperavam a imortalidade. Por uma breve pena receberão grandes benefícios, porque Deus os provou e os encontrou dignos dele. Deus examinou-os como ouro no crisol, e os aceitou como holocausto perfeito. No dia do julgamento, eles resplenderão como fagulhas no meio da palha. Eles governarão as nações, submeterão os povos, e o Senhor reinará para sempre sobre eles. Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que lhe são fiéis viverão junto dele, no amor, pois a graça e a misericórdia estão reservadas para seus escolhidos”. (Sb 3,1-9).

1.2  O grão de trigo e as “pequenas mortes” de cada dia
“Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto”.(Jo 12,24). Conforme expresso no Evangelho de João, Jesus Cristo lança mão da comparação com o grão de trigo para referir-se a si mesmo. Ele queria desta forma mostrar que sua morte, ainda que sofrida e injusta, seria fonte de vida para o mundo. E a principal garantia de Cristo era sua total fidelidade ao projeto do Reino de Deus. Ele foi fiel até o fim. Outro elemento a ser destacado é que o sangue derramado na cruz foi o coroamento do processo de toda a vida de Cristo. Em cada gesto de acolhida, em cada palavra de estímulo, em cada cura ou ensinamento, o mestre estava se entregando por inteiro, para que todos tivessem vida, e vida em abundância (Cf. Jo 10,10).

O acontecido ao grão de trigo também se aplica à existência do ser humano. Todo sacrifício realizado em benefício do próximo não deixa de ser uma pequena morte, mas é morte que gera a vida. Bom exemplo é o da mãe que, de madrugada, se levanta para acudir seu bebê que está chorando. Naquele momento ela morreu para seu sono, para sua preguiça, para a vontade de ficar dormindo. Foi capaz de se sacrificar porque alguém que ela ama estava precisando de seu socorro. Outra situação de “morte para si mesmo” é o casamento: mais uma vez se morre para gerar vida. Marido e mulher precisam se transformar mutuamente, um se adequando ao outro. Caminhando desta forma são capazes de construir uma união feliz. A vida, portanto, é um constante morrer, mas esta constatação não deve ser motivo de tristeza ou medo. Ela pretende apenas recordar que vida e morte caminham de mãos dadas, uma gerando a outra.

1.3  São Francisco e seu encontro com a irmã morte
Poucos instantes antes de morrer, por volta de 1226, São Francisco pediu a seus irmãos que o despissem e que o colocassem nu sobre a terra. Era o coroamento de uma experiência profunda de Deus, o Deus da vida. Em Cristo, Francisco conseguiu enxergar a beleza e a grandiosidade do amor do Pai e, por isso, transformou sua vida em um perene louvor a Deus, pautado em profundo amor e respeito por todos os seres humanos e pelos bens da criação.

Francisco já partiu há quase 800 anos, mas sua experiência continua a inspirar milhões de homens e mulheres em todo mundo. O Santo de Assis, descobrindo profundamente amado por Deus, o Sumo Bem, Único e Verdadeiro Bem, conseguiu transmitir este amor para além das fronteiras de seu tempo e de seu espaço.

Foi modelo de vida até o fim. Francisco bem sabia que tudo aquilo era e tinha havia recebido como dom gratuito, e por isso não queria tomar posse de nada, nem das coisas, nem da natureza, nem da pessoa. Soube viver em profunda gratuidade e, assim, apesar de todos os sofrimentos (físicos inclusive), conseguiu ser uma pessoa realizada e feliz.

Quando chegou sua hora, Francisco encheu seu coração de esperança e conseguiu chamar a morte de “novo nascimento”. Não se trata de um fim, mas de uma transformação, do ingresso em uma nova maneira de existir. No Cântico das criaturas, Francisco louva e agradece a Deus por todos os benefícios que Ele realizou (e realiza) na criação. E não deixa de fora a “Irmã Morte Corporal”, escrevendo assim: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal, da qual homem algum pode escapar. (…) Felizes os que ela achar conformes à tua santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal!”

Francisco de Assis ensina que a vida é dom, presente de Deus. No momento da partida de alguém querido, esta recordação é muito salutar, pois alia à dor e à tristeza um profundo sentimento de gratidão e esperança.

2.  PARTIDA E PARTIDAS
Embora seja um só fenômeno, parte integrante da existência, a maneira como ocorre varia de acordo com uma série incontável de fatores. Tendo em vista este aspecto, também a lida pastoral difere de caso a caso. A presença da Igreja neste delicado momento da vida das famílias assume matizes diferentes segundo as circunstâncias do ocorrido. A seguir, algumas pistas de atuação e também poucas reflexões diante de três configurações distintas

2.1  A partida como coroamento de uma longa caminhada.
É o caso da existência que, seguindo seu curso natural, chega ao fim, à semelhança de uma vela acesa que, consumida, se apaga. Vêm à lembrança aqueles que partem aos 80, 90 anos, levados pelas limitações da própria idade. Em sua existência, é claro, tiveram momentos de dor, sofrimento e aridez. Porém, com sabedoria, tiveram a capacidade de promover uma síntese positiva de sua história. Evidente que deixam saudades. Cônjuges, filhos, netos, bisnetos e amigos lamentam a partida, choram ao despedir-se daquele ser humano que tanto marcou a história deles. No entanto, parece que nestes casos a própria existência oferece os elementos capazes de auxiliar quem fica na busca de um sentido para o fato: “Papai descansou, cumpriu sua missão!” – Não é incomum, nestes casos, ouvir de filhos e filhas, por exemplo, este tipo de afirmação.

Permanece a saudade como sentimento profundo, que pode inclusive gerar poesia e canção, como no caso do músico Sérgio Bittencourt. Ao expressar a saudade que sentia de se pai (Jacó do Bandolim), Sérgio compôs a bela peça musical “Naquela mesa”: “Naquela mesa ele sentava sempre / E me dizia sempre o que é viver melhor / Naquela mesa ele contava histórias / Que hoje na memória eu guardo e sei de cor / Naquela mesa ele juntava gente / E contava contente o que fez de manhã / E nos seus olhos era tanto brilho / Que mais que seu filho / Eu fiquei seu fã / Eu não sabia que doía tanto / Uma mesa num canto, uma casa e um jardim / Se eu soubesse o quanto dói a vida / Essa dor tão doída, não doía assim / Agora resta uma mesa na sala / E hoje ninguém mais fala do seu bandolim / Naquela mesa tá faltando ele / E a saudade dele tá doendo em mim”.

Nestas situações, a presença de uma Igreja que reza junto à família e aos amigos, que se apresenta com palavras de gratidão a Deus e como semeadora de esperança, se torna útil e oportuna. A celebração no velório, com a presença do ministro, a posterior visitação à família para além da missa de sétimo dia, a comunidade que se une em oração são ações que conferem corpo e consistência à presença eclesial. Soma-se aqui a atuação dos serviços pastorais voltados aos idosos e doentes, em especial o trabalho de visitação constante, da comunhão aos enfermos e outras atuações do gênero.

Há os casos ainda – e não são poucos – em que a família, ou o próprio falecido, não tem ligação direta com qualquer comunidade de fé. Aí também cabe uma presença da Igreja, não de caráter proselitista, mas fundada principalmente na lógica do testemunho, da presença amiga e companheira, da especialista no trato humano, oferecendo, como São Pedro à porta do templo, aquilo que ela tem para dar: “Nem ouro, nem prata, mas Jesus Cristo, o Nazareno” (At 3,6). Quem sabe tal testemunho não desperte no coração de algum dos presentes a vontade viva de se aproximar desta Igreja que traz a Boa-Nova de um Cristo amigo e servidor?

2.2  A partida de quem atravessa o calvário da doença
“O Filho de Deus sofreu, morreu, mas ressuscitou, e exatamente por isso aquelas chagas tornam-se o sinal da nossa redenção, do perdão e da reconciliação com o Pai; tornam-se, contudo, também um banco de prova para a fé dos discípulos e para a nossa fé: todas as vezes que o Senhor fala da sua paixão e morte, eles não compreendem, rejeitam, opõem-se. Para eles, como para nós, o sofrimento permanece sempre carregado de mistério, difícil de aceitar e suportar.” (Papa Bento XVI, na Mensagem para o XIX Dia Mundial do Doente – 2011).

Encontrar nas chagas de Cristo e nas próprias chagas um sinal de redenção não é exercício dos mais fáceis, conforme aponta o Papa Bento XVI. O mistério do sofrimento, quando vivido na própria história, ou na vida daqueles que estão próximos, traz em si um caminhão de questionamentos e muito pouco – ou às vezes nada – de resposta. Muitas vezes são anos a fio de limitação, dor e luta vivenciados pelo enfermo e por aqueles que estão a seu redor, especialmente os mais próximos. Não são poucos os que, ao contemplar tamanha provação, sentem profunda dificuldade em enxergar um sentido para vida que seja capaz de ir além daquele sofrimento macerante, a molde do personagem bíblico Jó, quando diz: .”Pereça o dia em que nasci, e a noite que disse: ‘Foi concebido um menino’”. (Jó 3,3).

A partida de alguém depois de um período de enfermidade, principalmente se esta se estende por muito tempo, provoca em quem fica um misto de sentimentos. Aos mais próximos geralmente surge certo sentimento de alívio, aliado à saudade e à dor da perda, é óbvio. Basta pensar, por exemplo, na figura da filha solteira, já de certa idade, que cuidou anos a fio da mãe octogenária acamada. Nos últimos anos o nível de comunicação se reduzira a alguns olhares esporádicos com certa aparência de consciência. Certamente, para esta filha, dentre o turbilhão de emoções que brotam em seu coração, está o suspiro aliviado de quem acompanhou todo o ciclo de sofrimento ocasionado pela doença.

Além de oferecer o conforto aos que sofrem com esta realidade e iluminá-los a partir da perspectiva da fé, o esforço pastoral deve também identificar os fermentos da ação evangélica de quem se dispõe a acompanhar pessoas que atravessam este tipo de situação-limite. Se a enfermidade é, de acordo com a Igreja, oportunidade para o fiel conformar sua cruz à cruz de Cristo, a presença dos “cireneus” que acompanham estes dramas é também fermento fecundo de amor-doação. É um grito silencioso e eloquente de profecia diante da mentalidade vigente de exaltação do lucro, do sucesso e do prazer a qualquer custo. Eis aí uma grande chance para exemplificar na prática a riqueza e a beleza da proposta cristã. Não se trata de exaltação pessoal de quem se dispôs a doar a própria vida ao cuidado de alguém, mas de iluminar a grandeza deste gesto generoso que tende fortemente ao Evangelho.

À medida que o momento da partida se aproxima, no interior de quem sofre ocorre uma verdadeira batalha de sentimentos, conforme escreve J.B Libanio: “No momento em que o enfermo se depara com a proximidade certa da morte, corta-lhe o coração terrível dor. Sou eu mesmo e por quê? Não, não pode ser verdade. Tempo da negação, do isolamento. Momento difícil para acompanhar o enfermo. Rói-lhe o interior o sentimento de injustiça. Por que ele está nesse estado terminal? Tal percepção vem-lhe de uma intuição que nasce do próprio corpo e das circunstâncias. Embora não se fale da gravidade da doença e ele mesmo conscientemente a silencie, no fundo tudo em volta respira tal situação de fatalidade. Trava-se-lhe dentro a batalha da verdade e da aceitação da verdade a respeito da própria situação. Ele corre atrás de algum médico que lhe diga palavra, ainda que não verdadeira, do consolo da cura. Visita os lugares de milagres. Pessoas que estavam longe da religião, entregam-se a devoções na esperança de vencer a doença. E com a atual abundância de pastores e de grupos carismáticos pregando e semeando curas, o paciente corre atrás deles. Mas o verdadeiro cuidado não nasce de promessas que nos escapam. Porque da desilusão de não se curar brota a revolta. Em vez de bem espiritual, ao acenar aos doentes impossíveis curas, quando o caso já chega ao fim, geramos, não raro, ressentimento. Toca-nos ajudar a pessoa a aceitar a morte na esperança da vida eterna. Aí está a grande mensagem do cristianismo!” [Cuidadores de doentes terminais – Disponível em http://www.jblibanio.com.br/modules/wfsection/article.php?articleid=40].

2.3  A partida repentina
Nos dois casos descritos até agora, o momento da partida é precedido por um processo mais ou menos longo. No entanto, há situações em que, tragicamente, vidas são ceifadas de repente. São acidentes, assassinatos, suicídios, males súbitos que trazem espanto, desconsolo e até mesmo desespero. São pais que perdem filhos repentinamente, cônjuges que, de uma hora para outra, se veem desamparados e muitos outros dramas humanos.

O cantor e compositor britânico Eric Clapton passou por um terrível momento quando um grave acidente ceifou a vida de seu filho, Conor Clapton, então com quatro anos, em 1991. O menino caiu da janela de um andar altíssimo de um prédio em Nova York.

A partida precoce do menino inspirou Clapton a compor Tears in heaven, o que ajudou o compositor a lidar com a dor da perda. A publicação da música não foi planejada, mas ocorreu mesmo assim, e ela se transformou em um sucesso conhecido em diferentes partes do mundo.

É uma espécie de diálogo de Clapton com o filho e também uma série de perguntas que o autor lança na esperança de um dia contemplar o céu. Certamente a arte é importante aliada nestes momentos de separação. Ela ajuda a pessoa a dar um passo além, a descobrir-se ligada a algo maior do que ela, a Deus. E a dimensão deste Deus infinito, que abraça a toda a criação, faz a pessoa perceber-se parte de uma obra maravilhosa, integrada com todos os seres humanos, inclusive aqueles que já partiram, e com toda a criação.

No caso de Clapton, cantar a partida do filho (uma das dores que mais castiga qualquer ser humano) foi a forma que ele encontrou de se perceber ligado ao menino mesmo depois do ocorrido. A versão em português que segue é uma tradução livre: “Você saberia meu nome / se eu o visse no céu? / Você seria o mesmo, / se eu o visse no céu? / Eu tenho que ser forte, / e seguir em frente. / Porque eu sei que não pertenço ao céu. // Você apertaria minha mão / se eu o visse no céu? / Você me ajudaria a me levantar / se eu o visse no céu? / Encontrarei o meu caminho / atravessando noite e dia. / Porque eu sei que não posso ficar no céu. // O tempo pode trazer você para baixo. / O tempo pode fazer você dobrar os joelhos./ O tempo pode partir seu coração, / fazer você implorar por favor / Implorar por favor. // Atrás da porta / há paz. / Eu tenho certeza / e sei que não haverá mais / lágrimas no céu.

Diante deste tipo de acontecimento, na grande maioria das vezes, a celebração dos velórios conta com participação maciça de elevado número de pessoas e o clima que se espalha no ambiente é de profunda comoção, de nervos à flor da pele. Eis um cenário desafiador para o ministro que, em nome da Igreja, irá rezar junto a uma assembleia atônita e desestruturada humanamente. O que dizer para este povo? Que palavras de conforto podem ser proferidas diante de tal tragédia? Seguem algumas preocupações especiais do ministro nestas ocasiões:

● Fazer-se ouvir. Parentes, amigos e conhecidos se encontram transtornados.

Qualquer mensagem ou palavra proferida parece não penetrar seus corações sobressaltados. Com calma, prudência e confiança na força que vem de Deus, é conveniente que o ministro, aos poucos, tente criar na assembleia um ambiente de escuta, de concentração, de oração. Colocar-se na humildade, como companheiro(a) nesta hora difícil é uma postura que pode ajudar. Ao perceberem este calor humano e esta solidariedade imediata de quem está próximo, certamente os atingidos mais diretamente pela perda terão maior possibilidade de contemplar em Cristo o companheiro por excelência neste momento de profunda dor.

● Manter-se calmo. Jesus Cristo se compadeceu em diversas situações de dor e perda com a qual se deparou. Exemplo mais conhecido foi no episódio da morte de Lázaro, quando, segundo o relato do Evangelho de João (Jo 11,35), veio às lágrimas diante da partida de seu amigo querido. Comover-se significa “mover-se junto”, sentir-se movido pelo que move o outro. É natural que, neste contexto, o ministro também se sinta comovido, que se emocione, que tenha certa dificuldade em conduzir a assembleia em oração. Manter-se calmo, com os “pés no chão”, no entanto, é uma necessidade nesta hora. Ele será um ponto de referência, de apoio àquelas pessoas que “perderam seu chão”. Elas precisam se firmar e a fé na Ressurreição, por causa de Cristo, é o suporte principal de todo o cristão. Cabe ao ministro, portanto, oferecer elementos que levem as pessoas a se confiarem a esta força divina.

● Encontrar as palavras certas. O ponto de partida é sempre a Sagrada Escritura. O ministro deseja, como a inspiração do Espírito Santo, fazer brotar no coração dos presentes uma esperança fundada na fé. Não pretende apontar possíveis explicações para o fato e, muito menos, associar o acontecido à “vontade de Deus”. Busca, com todas as forças, lançar luzes sobre o drama, sempre evocando o amor

e a misericórdia que provêm do Senhor. Informações prévias sobre as circunstâncias do acontecido, sobre a história de vida de quem partiu, costumam ser importante auxílio, embora a tônica da mensagem deva ser a esperança.

● Falar para todos. Este é um item que demanda muita sensibilidade e perspicácia por parte do ministro. Diferente da missa, ou da celebração da Palavra, onde se presume que todos, ou a imensa maioria, sejam cristãos católicos, estes ambientes geralmente são marcados pele heterogeneidade de pessoas. Há católicos praticantes, outros batizados que nunca mais estiveram ligados à Igreja, cristãos de diferentes denominações, membros de outras religiões, agnósticos, ateus. Daí a preocupação em oferecer uma mensagem fiel ao Evangelho e também capaz de vir carregada de sentido para diferentes públicos.

Além da celebração no velório, o quanto possível, as pessoas que sofreram este tipo de perda necessitam de um acompanhamento próximo. A missa de sétimo dia também é momento de extrema comoção. Geralmente são celebrações lotadas. Há famílias que confeccionam camisetas com a foto da pessoa falecida, preparam homenagens, inúmeros parentes, amigos, colegas e conhecidos marcam presença. Um grande desafio para quem preside a missa de sétimo dia nestes casos é introduzir toda a comunidade, inclusive aqueles fiéis que não têm ligação direta com o fato, em uma oração comum em torno do mistério celebrado: a conformação da ressurreição daquele que partiu à Ressurreição do Senhor.

Em artigo recente, o teólogo J. B. Libanio, já citado anteriormente, descreve a forma pela qual a Ressurreição de Cristo confere luz e sentido à dor, ao sofrimento, ao fracasso: “Os cristãos ressignificam a Páscoa para a ressurreição de Jesus. Misturam-se também a desolação e a festa, a alegria e a terrível tristeza. O destino final de Jesus abateu-se sobre os seus seguidores. Morte pior não poderia ter acontecido. Rejeitado pelo povo, excomungado pela religião judaica, abandonado por Javé, traído por um apóstolo, cercado por dois condenados criminosos, nu, morre pregado numa cruz. Nada a celebrar. Tudo a esquecer. Mas ele ressuscita. Pura vida. No entanto, carrega consigo essa morte para dentro da eternidade. Não a rejeita. Aí estão as chagas para simbolizar a continuidade da cruz no corpo glorioso. Lentamente a comunidade primitiva assimila o trauma da morte de Jesus à medida que o experimenta vivo e senhor de todas as coisas. Milhões e milhões depois dele se entregarão à morte para testemunhar a verdade de sua morte e ressurreição. E bilhões e bilhões o fizeram centro de sua vida até o dia de hoje” [A ressurreição mais além da fé – Disponível em http://www.jblibanio.com.br/modules/wfsection/article.php?articleid=561].

APONTAMENTOS CONCLUSIVOS
O tema da partida é, por sua natureza, desafiante, amplo e complexo. As breves contribuições aqui apresentadas tomam forma de algumas poucas agulhas encontradas em um imenso palheiro. De qualquer forma, fica a provocação dirigida a quem busca se aprofundar no tema, seja por necessidade pastoral, curiosidade existencial ou pela proximidade, no espaço ou no tempo, com a referida temática. Para concluir, seguem alguns pontos já tratados na reflexão, apenas como meio de reforço:

● Elemento constituinte da existência humana, a morte com freqüência se apresenta como desafio principalmente quando diz respeito a alguém de convívio próximo.

● Na perspectiva cristã, não obstante o sofrimento, os questionamentos e a saudade, a Ressurreição de Cristo é o grande alento de força e esperança que enche de luz e dá sentido à partida deste mundo.

● Como momento crucial da história individual da pessoa e do grupo humano à qual ela pertence, a morte demanda, por parte da Igreja, um olhar pastoral repleto de carinho e atenção, que leve em conta as diferentes circunstâncias e situações em que tal fenômeno ocorre.

●  A atuação pastoral nestes casos requer sensibilidade, disposição e testemunho. Mais do que a presença institucional, na condução de cerimônias, faz-se mister uma presença próxima, amiga, companheira e solidária, um verdadeiro ministério de vida e esperança.

●  A presença ministerial nestas ocasiões não se refere somente à figura do ministro ordenado – embora este deva ser o primeiro a nutrir em si e na comunidade esta postura de companheirismo –, mas de toda a comunidade, que, sob iluminação do Espírito Santo, se organiza inteligentemente para dar uma resposta viva, ativa e eficaz a todos que atravessam estes difíceis momentos.

●  Jesus Cristo conferiu sentido à morte por sua ressurreição. Seguindo seus passos, a comunidade cristã busca e sonha contemplar a partida deste mundo como um novo nascimento para a existência plena e definitiva junto ao Senhor.

(*) Frei Gustavo Wayand Medella, OFM, é coordenador da Frente de Comunicação da Província da Imaculada e autor do livro “Há vida após o luto”.