sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Especial - São Francisco: A inspiração que vem de Assis…


O fascínio que Francisco exerce há oito séculos

No dia 13 de abril de 2013, o mundo foi tomado de surpresa quando era anunciado o novo Bispo de Roma: o primeiro Papa  latino-americano; e, depois, veio a alegria de ver que o novo Papa se inspirava no Poverello de Assis, a começar pelo nome: Francisco!

Ao escolher para o seu projeto papal a inspiração franciscana, Francisco deu mostra de que estar a serviço da Igreja não é ter poder, é servir a humanidade. O Pobre de Assis tem uma mensagem de grande modernidade e atualidade. “Francisco não é um nome. É um projeto de Igreja pobre, simples, evangélica e destituída de todo o poder”, diz Leonardo Boff.

Para a Igreja, para o Papa e para a humanidade, São Francisco tornou-se inspiração daqueles valores mais essenciais do Evangelho. Por isso, sua mensagem atravessou os séculos, e continua a despertar no coração da humanidade aquilo que de melhor ela pode realizar.

São Francisco de Assis, o reformador pela paz e pela simplicidade, já caminha com o Papa para fincar os novos pilares da Igreja.

Este dia 4 de outubro, será especial para a Igreja, para a Ordem Franciscana e e para a Família Franciscana.

A oração litúrgica da solenidade resume assim o significado perene de São Francisco:


“Ó Deus, que fizestes o seráfico Pai São Francisco
assemelhar-se ao Cristo por uma vida de humildade e pobreza,
concedei que, trilhando o mesmo caminho,
sigamos fielmente o vosso Filho,
unindo-nos convosco na perfeita alegria”


Do outro lado deste encontro emerge um homem impressionante. O fascínio que ele exerce sobre os homens, séculos depois de sua morte, transpõe as fronteiras do Cristianismo. Grandes e pequenos reverenciam-no com palavras de invulgar admiração. O que o torna assim tão simpático aos olhos dos homens não é tanto o fato de ser ele um santo da cristandade católica, o inspirador de inúmeras comunidades religiosas. Destes, há vários outros exemplos, também admiráveis. Antes, a razão precípua é sua humanidade, simplesmente. Efetivamente, nele vemos o que é o ser humano, quando, historicamente, se realizam as suas mais belas possibilidades: não um conglomerado de egoísmos, rigidez, baixezas e pecados, mas uma figuração de bondade, fineza, cortesia, ternura e compaixão, sim, uma imagem e semelhança de Deus mesmo. Sua humildade desfeita de toda sofisticação, sua afabilidade sincera para com todos, sua singela inocência, sem prepotências e maldade, sua largueza de alma pela qual acolhe a todos como irmãos e irmãs, seu reverente entusiasmo para com o mundo e suas criaturas, o jeito pacífico e portador da paz que o faz próximo de todos, o respeito com que trata todos os seres, do sol magnífico à inexpressiva erva, com gestos e palavras tão poéticas, enfim, seu amor sem fronteiras, é isso, sobretudo, que faz de Francisco esse homem notável e a razão do fascínio que ele exerce sobre todos.

“Há neste homem algo de límpido e de luminoso que se impõe como uma presença… Alguns são seduzidos pela criança e pelo poeta ingênuo, simples, fraterno, entre os seres vivos. Move-se entre os homens e as coisas como homem livre, desapegado, despretensioso, com um desembaraço e uma ternura que deixa a cada um a liberdade de viver. Irmão de todos, provoca-os ao melhor de si mesmo. Sem dominação e sem pretensão alguma, ensina-lhes como tornar-se homens de reconciliação, servidores uns dos outros. Atento, por intuição e por afinidade secreta, a seu tempo e aos acontecimentos, que os atinge e lhes  traz com facilidade surpreendente, uma resposta ao nível mais profundo” (T. Matura, O projeto evangélico de Francisco de Assis…, 13).

Dele diz o renomado ensaísta e literato inglês Gilberto Keith Chesterton: “Podemos descrever este divino demagogo como o único e verdadeiramente sincero e conseqüente democrata do mundo…”(Cf. G. K. Chesterton, Franziskus, der Heilige von Assis, 1923)

A seu amigo Vittorio Bodo, Wadimir I. Lênin, o grande líder da Revolução Russa, do seu leito de morte, teria confessado: “Eu me enganei. Sem dúvida era necessário libertar a massa dos oprimidos. Mas nossos métodos tiveram como conseqüência outras opressões e terríveis  massacres. Tu sabes que estou mortalmente doente. Meu pesadelo é sentir-me num oceano de sangue de incontáveis vítimas. Para salvar nossa Rússia – agora é tarde demais para  voltar atrás – precisaríamos de dez Francisco de Assis” (Lênin, am Ende seines Lebens – 1924).

Pannaghiotis Kanellopoulos, intelectual e político grego: “Hoje, depois de oito séculos de  história… podemos afirmar que Francisco representa a mais doce figura humana que a Europa gerou. A sua vida e a sua poesia são qualquer coisa de único na história. Mas é possível distinguir a vida de Francisco de sua poesia? A sua própria vida, como a apresentam os imortais Fioretti é uma contínua poesia” (P. Kanellopoulos, La storia dello spirito europeo, vol. I Atenas 1958, 208).

Deste homem, Sigmund Freud, um dos mais argutos e contumazes críticos da Religião afirma: “Talvez São Francisco de Assis tenha sido quem mais longe foi na utilização do amor para beneficiar um sentimento interno de felicidade… o amor universal pela humanidade e pelo mundo representa o ponto mais alto que o homem pode alcançar” (S. Freud. S. O mal-estar na civilização, in Obras Completas, Vol XXI [1927-1931], Rio de Janeiro: Imago, 1974, 122).

“Tão perfeita imagem de Cristo! Quase um Cristo redivivo” – Pio XI, Papa

“O mais italiano dos santos, o mais santo dos italianos” – Mussolini

Há homens que, vivendo profundamente a problemática do seu tempo e de seu povo, são tão humanos que permanecem como inspiração para todos os tempos e todos os povos. Francisco de Assis é um desses homens raros que, ao longo dos séculos, das latitudes e longitudes, interpelam, questionam, desinstalam” - Dom Hélder Câmara

“Esse, talvez, o maior segredo de São Francisco de Assis. Onde outros dariam ou deram o seu saber, a sua astúcia, a sua coragem, ele deu apenas isso: seu coração. E com isso revolucionou a história. Com a fé de uma criança, renovou a alma de um mundo”. Alceu Amoroso Lima

“São Francisco, pela amigável união que estabeleceu com todas as coisas, parecia ter voltado ao primitivo estado de inocência matinal” - S. Boaventura

“Homem inútil e indigna criatura de Deus, nosso Senhor” – ele mesmo, São Francisco.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Especial - O fascínio de São Francisco de Assis


Francisco, modelo de paz

Por D. Paulo Evaristo Arns

A festa de São Francisco, em 4 de outubro, transformou-se em símbolo do esforço da Igreja pela Paz. Todos nos lembramos com gratidão da viagem de Paulo VI às Nações Unidas e do pedido humilde, mas corajoso, do Pontífice, de se transformarem os canhões de guerra em arados para a construção da paz duradoura.

Nos tempos de São Francisco, não havia homem que não andasse armado, e homens armados podem transformar-se facilmente em homens de guerra. Como nos dizia certa vez um mexicano: “Em minha Juventude, carregava-se sempre o revólver no cinto e morriam muitos homens pela violência. Hoje, andamos desarmados e já são poucos os que assim morrem”.

Para conseguir um movimento de paz, São Francisco fundou sua Ordem Terceira, que obrigava a todos os membros a andarem sempre com a expressão “Paz e Bem” sobre os lábios e com o cinto e o ânimo desarmados.

Esse movimento provocou tamanha simpatia entre os homens, que se alastrou por sobre o mundo inteiro, conquistando adeptos entre todas as classes e transformando-se em autêntico fermento da idéia “PAZ”.

No entanto a educação para a paz tinha que partir do exemplo daqueles que podem fazer guerra, das autoridades. E havia o que mudar.

O próprio Bispo de sua terra e a autoridade civil se guerreavam. São Francisco não se acovardou, e com sua simplicidade costumeira foi pedir a ambos que fizessem as pazes. Conseguiu-o, mais por persuasão pessoal, do que por argumentos históricos.

Quando, já moribundo, é transportado para sua terra, Assis, abençoa-a do alto de uma colina, desejando-lhe a paz e oferecendo sua serenidade diante do maior inimigo – a morte – como exemplo a todas as gerações. A morte assim se transformou em irmã, que conduz ao desabrochar total na paz eterna.

Mas antes de morrer, já enviara seus arautos da paz, os Frades Menores, dois a dois, a todos os pontos cardiais do mundo, com a mensagem evangélica da Paz: contínua conversão interior; vida em favor dos outros; renúncia aos bens que podem provocar a guerra, e carinho em favor daqueles que não vivem em paz porque estão marginalizados.

“Deixo-vos a paz, dou-vos minha paz”, havia dito Jesus.

Paz significa, segundo os textos evangélicos, um incentivo para todos aqueles a quem Deus ama. Ter paz interior é olhar para os outros com o respeito e o amor de quem olha para Jesus. Ter paz interior não é outra coisa senão identificar-se a tal ponto com os sofrimentos dos outros “que não haja quem sofra, sem que eu sofra com ele”. Por que não dizê-lo, paz interior significa também ter liberdade de falar a Deus como a um amigo e fugir a tudo que possa empanar esta amizade.

Neste ponto, São Francisco é o grande mestre da paz. A tal ponto assimilou a mensagem de Jesus, que na hora da morte, ele próprio confessou: “Não existe um termo no Evangelho que eu não tenha decorado – isto é, que eu não tenha posto no coração – com os pontos e virgulas”.

A mensagem de paz de São Francisco foi assunto para pincéis e penas. Artistas e escritores celebraram a cena do lobo de Gubbio, o ladrão que não deixava paz à sua cidade.

O lobo que fazia vítimas contínuas na comunidade. São Francisco dirigiu-se a ele, e firmou o contrato de que ele não sofreria fome, caso não maltratasse mais os outros.

Os historiadores estão todos de acordo em dizer que São Francisco criou uma alegoria, e nós hoje teríamos a grande tentação de aplicá-la ao nosso meio. Mas preferimos confiar esta tarefa ao leitor: Como faremos para que o lobo deixe de devorar-nos? Qual é a comida que lhe oferecemos, para que não tenha mais fome nem maldade?

Quando visitamos as Pirâmides do México, o arqueólogo nos explicava: “Reparem naquelas pessoas que sobem; quanto se identificam com o monumento, na medida em que vão atingindo o alto; e como no final são uma coisa só com o monumento e o céu”.

Agora imaginem-se os antigos sacerdotes, que subiam com suas oferendas, e assim identificavam a terra e o céu, numa só visão para todos os crentes. As pirâmides se casam com a natureza e o homem mexicano.

Quando o peregrino percorrer Assis, sentirá apenas falta do homem Francisco, totalmente identificado com a natureza. Talvez com um cordeirinho nos braços, cordeirinho que recebeu em troca do manto, amando a água “pura e casta”, amando a lua, o fogo e o sol, amando, sobretudo, o homem, pobre e desprezado, chamando a tudo e a todos de Irmão, de Irmã.

Como à paisagem mexicana se devolve a paz completa, ao unir as pirâmides com o sacerdote e o céu, assim a Humanidade inteira se reconcilia em São Francisco, com aquilo que é e deve ser.

A Paz significa, em última análise, reconhecer a Deus como Pai e a toda a natureza como irmã. A evocação de São Francisco exige de cada um de nós um gesto e uma súplica de paz.

Texto do livro “Olhando o Mundo com São Francisco”, de D. Paulo Evaristo Arns, Edições Loyola, 1982.

Santo franciscano do dia - 29/09 - São João de Dukla


Sacerdote da Primeira Ordem (1414-1484). Canonizado por São João Paulo II no dia 10 de junho de 1997.

João nasceu em Dukla, próxima dos montes Cárpatos, na Polônia em 1414. Muito jovem ingressou na Ordem dos Frades Menores. Ordenado sacerdote se distinguiu por seu zelo e prudência, tanto que mereceu ser colocado em postos de responsabilidade. Foi várias vezes guardião e superior em Krosno e em Leópoli, onde também foi custódio de todos os conventos daquela Província, particularmente importante dada a vizinhança dos territórios ortodoxos e o caráter missionário destes conventos.

Naquele tempo, os franciscanos polacos estavam unidos com os checos em uma só província. Por sua inclinação à vida contemplativa, obteve dos superiores permissão para viver em conventos onde se observava com maior rigidez a Regra Franciscana. Setores especiais de sua vida foram o confessionário e o púlpito. Ao ficar cego, não podendo preparar as pregações, tinha a ajuda de um noviço que lia alguns textos sagrados sobre os quais preparava suas homilias.

Chegou aos 70 anos quando Deus quis premiá-lo com a glória do céu. João faleceu no dia 29 de setembro de 1484.

Trechos da homilia do Papa João Paulo II no dia da canonização São João de Dukla:
O seu nome e juntamente a glória da sua santidade estão unidos para sempre a Dukla, pequenina ainda que antiga cidade, situada aos pés do monte Cergowa e da cadeia de montanhas do Beskid Central. Estes montes e esta cidade são-me bem conhecidos desde os velhos tempos. Muitas vezes eu vinha aqui ou caminhava rumo aos Bieszczady, ou então em direção oposta dos Bieszczady, através do Beskid Baixo, até Krynica. Pude conhecer as pessoas do lugar, gentis e hospitaleiras, embora às vezes maravilhadas ao ver grupos de jovens, vagueando pelos seus montes com pesadas mochilas. Sinto-me feliz de poder retornar aqui, de ter podido, entre estas bonitas montanhas e aos pés deste monte Cergowa, proclamar santo da Igreja católica o vosso compatriota e concidadão.

João de Dukla é um dos muitos Santos e Beatos que cresceram na terra polaca, no decurso dos séculos XIV e XV. Todos estavam ligados à Cracóvia régia. Atraía-os a Faculdade de Teologia de Cracóvia, surgida por obra da Rainha Edviges, por volta do final do século XIV. Animavam a cidade universitária com o sopro da sua juventude e da sua santidade, e dali dirigiam-se para o Leste. As suas estradas levavam, antes de tudo, a Lviv, como no caso de João de Dukla, que transcorreu a maior parte da sua vida naquela grande cidade, centro ligado à Polónia por vínculos muito estreitos, especialmente a partir dos tempos de Casimiro, o Grande. São João de Dukla é o padroeiro da cidade de Lviv e de todo o território circunstante.

O seu nome estará para sempre, daqui por diante, ligado não só à cidade onde se realiza a sua canonização, Krosno à margem do Wislok, mas também a Przemysl e à homônima Arquidiocese, a cujo Pastor, o Arcebispo Józef Michalik, apresento a minha cordial saudação.

Devemos olhar para a vocação deste filho espiritual de São Francisco e para a sua missão, num contexto histórico mais amplo. De fato, a Polônia já quatro séculos antes recebera o cristianismo. Quase quatrocentos anos tinham passado desde quando atuara na Polônia Santo Adalberto. Os séculos sucessivos foram marcados pelo martírio de Santo Estanislau, pelo ulterior progresso da evangelização e do desenvolvimento da Igreja nas nossas terras. Em grande medida isto estava unido à atividade dos beneditinos. No século XIII chegam à Polônia os filhos de São Francisco de Assis. O movimento franciscano encontrou nas nossas terras o terreno adequado. Frutificou também com toda uma multidão de Beatos e de Santos que, inspirando-se no exemplo do Pobrezinho de Assis, animaram o cristianismo polaco com o espírito de pobreza e de amor fraterno. À tradição de pobreza evangélica e de simplicidade de vida eles uniam o conhecimento e a sabedoria que, por sua vez, tiveram efeitos sobre o seu trabalho pastoral.

Caros Irmãos e Irmãs, neste lugar de onde se vêem os campos verdes de trigo, que dentro em pouco, ao dourar-se, começarão a convidar o agricultor ao duro trabalho «pelo pão» — neste lugar quero recordar as palavras pronunciadas pelo Rei João Casimiro, naquele dia histórico diante do trono de Nossa Senhora das Graças, na catedral de Lviv. Elas exprimiam uma grande solicitude pela Nação inteira, o desejo de justiça e a vontade de suprimir os pesos, que oprimiam os seus súbditos, especialmente os homens da terra. Hoje, durante a canonização de João de Dukla, filho desta região, desejo prestar homenagem ao trabalho do agricultor. Inclino-me com respeito sobre esta terra dos Bieszczady, que na história experimentou muitos sofrimentos entre guerras e conflitos, e hoje é provada por novas dificuldades, de modo especial pela falta de trabalho. Desejo prestar homenagem ao amor do agricultor pela terra, porque ele tem sempre constituído o forte apoio em que se baseava a identidade da Nação.

Caros Irmãos e Irmãs! A terra sobre a qual nos encontramos está impregnada e repleta da santidade de João de Dukla. Este santo religioso não só tornou famosa esta bonita terra de Bieszczady, mas antes de tudo santificou-a. Sois os herdeiros desta santidade. Pousando os vossos pés sobre esta terra, caminhai nas suas pegadas. Aqui todos sentimos, de modo misterioso, «o tesouro da glória de Jesus Cristo que se manifesta nos seus santos» (cf. Ef 1, 18). Esta terra deu, de fato, muitas testemunhas autênticas de Jesus Cristo, pessoas que depositaram plenamente a sua confiança em Deus e dedicaram a própria vida ao anúncio do Evangelho.

Neste caminho vos acompanhe a Mãe de Cristo, venerada em inúmeros santuários desta terra. Dentro em pouco vou coroar as imagens de Nossa Senhora de Haczów, de Ja?liska e de Wielkie Oczy. Seja este acto a expressão da nossa veneração por Maria e da esperança em que, com a sua intercessão, Ela nos ajude a cumprir, até ao fim, a vontade de Deus. No período do Milénio do baptismo tínhamos aprendido a cantar: «Maria, Rainha da Polónia, estou junto de ti, recordo-me de ti, estou vigilante» (Apelo de Jasna Góra). Sentimo-nos felizes por que, juntamente connosco, velam todos os Santos padroeiros da Polónia. Estamos alegres e oramos pela Nação polaca e pela Igreja na nossa terra — tertio millennio adveniente.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Especial - O fascínio de São Francisco de Assis


 O cosmos e os símbolos

Por N.G. Van Doornik

O nosso mundo ocidental perdeu este sentido do cosmos. Esvaziaram-se muitos símbolos que durante milhares de anos falaram ao homem, como intérpretes do “mundo atrás das estrelas”.

À medida que a técnica elimina a necessidade de evocar em símbolos o mundo invisível, o poeta é substituído pelo homem de ciência. Mas para aquilo para que este necessita de uma pesquisa minuciosa, o poeta emprega, às vezes, uma única palavra.
O mesmo se dá com o místico que, com uma única imagem, faz com que o homem fique ciente de uma realidade religiosa, ao passo que o teólogo tem que recorrer a uma quantidade de noções.

E numa Igreja – penso eu – em que a quantidade de noções elimina a simplicidade religiosa, a confusão a respeito da fé não está mais longe.

De outro lado, a teologia deve ter cuidado com o simbolismo. A imagem religiosa pode apresentar-se – literalmente ou figurativamente – como realidade. A arte plástica, inclusive a verdadeira arte da Idade Média e da Renascença, proveu a imaginação popular de representações em que os mistérios da fé foram “sonhados”.

Dessas representações partiu, é certo, uma grande força, mas não raro elas causaram desvirtuamento. Os símbolos tornaram-se concepções infantis da fé. A crise aconteceu, sobretudo, quando a ciência profana e a religiosa começaram a demonstrar que essas representações não exprimiam a realidade em sentido científico.

E não poucas vezes foram rejeitados, com os símbolos, também os mistérios simbolizados.
Hoje em dia esforçam-se muitos por uma extrema sobriedade, principalmente no oculto. Mas quem compreende o valor simbólico do Cântico do Sol, pergunta a si mesmo se não vamos parar no outro extremo, num vazio, em que o mistério só é experimentado por meio de conceitos.

O homem religioso não pode prescindir do símbolo, em que o divino é focalizado. “No vácuo” é-lhe impossível respirar.
Quando o nosso culto religioso se reduz a simples palavras, desaparece a atmosfera mística e muitos terão saudades das catedrais, das abadias e das antigas formas de liturgia, em que se oferece uma atmosfera sagrada.

Eu ousaria dizer: quando uma criança só sente aborrecimento com o culto litúrgico, é um sinal de que se perdeu alguma coisa das formas sensíveis e indispensáveis que com o tempo se haviam introduzido em nossa liturgia.
Já que em nosso mundo ocidental o símbolo está perdendo o seu valor, deve-se fazer uma diagnose não só do símbolo, mas também do mundo ocidental.

A vida de Francisco está marcada pelo símbolo. O símbolo era para ele uma contínua celebração do cosmos em Deus. E quando seus olhos não mais podiam suportar o clarão da luz e ele jazia enfermo numa pobre choupana, ainda pôde cantar do irmão Sol, irradiante de esplendor: “De Ti, ó Altíssimo, ele é imagem”.

Texto extraído do livro “Francisco de Assis, Profeta de Nosso Tempo”, de N.G. Van Doornik

Franciscano do dia - 28/09 - Bem-aventurado Bernardino de Feltre



Sacerdote da Primeira Ordem (1439-1494). Aprovou seu culto Inocêncio X no dia 13 de abril de 1654.
  
Martinho, como foi chamado no batismo, nasceu em 1439, em Tomo, lugarejo minúsculo, distante alguns quilômetros de Feltre (na região de Belluno, na Itália). Foi o primogênito de dez irmãos, todos filhos do nobre e abastado Donato Tomitano e de Corona Rambaldoni, prima do célebre educador Vittorino de Feltre. Criança precoce, ávido de leituras, Martinho se mostrou dotado de grande memória desde os primeiros estudos humanísticos, tanto que aos onze anos lia e falava corretamente o latim. Cresceu numa família bem estruturada e de nível culturalmente elevado e, assim, conseguiu adquirir um espírito de discernimento diante de comportamentos sociais da época.

Também em Pádua, onde estudou Direito, fez-se admirar pela seriedade de sua conduta e acuidade de suas reflexões. Profundamente tocado pela morte repentina de três de seus professores universitários, pelos quais sentia-se profundamente amado e ao mesmo tempo conquistado pela pregação que São Tiago das Marcas fazia na catedral de Pádua, Martinho interrompeu os estudos a 14 de maio de 1456 e tomou o hábito dos Frades Menores no Convento de São Francisco das mãos de Frei Tiago. Este, para honrar São Bernardino de Sena, deu a Martinho o nome de Frei Bernardino.

O pai desse jovem de 17 anos tentou demovê-lo da ideia de se tornar franciscano. Martinho, no entanto, tinha plena convicção de sua vocação, a respeito da qual nunca teve dúvidas. Em suas posteriores pregações, gostava de abordar o tema: Nolite diligere mundum. Começando um rigoroso tempo de noviciado no Convento de Santa Úrsula, fora de Pádua, Frei Bernardino se propôs a imitar o espírito do santo que era seu patrono celeste, vivendo uma vida santa e dedicando-se à pregação.

Terminados os estudos de teologia, foi ordenado sacerdote em 1463. Depois de ter ensinado gramática durante um certo tempo, a 19 de maio de 1469 foi nomeado pregador. Atemorizado com esta incumbência, pediu que os superiores o dispensassem desta função alegando saúde frágil, timidez e mesmo dizendo ser de baixa estatura. No dia seguinte, festa de São Bernardino, foi lhe solicitado que fizesse um discurso sobre o santo. Fê-lo com ardor e força a tal ponto que as pessoas ficaram admiradas. A partir de então começou sua atividade de pregador itinerante percorrendo a Itália centro e sul sem calçados, mesmo em condições atmosféricas desfavoráveis.

Defensor dos pobres, impávido combatente contra usurários e hereges, apóstolo iluminado do Monte da Piedade, era solicitado para pregar nos principais púlpitos da Itália. Causava maravilha o fato que ele, homem tão frágil, minado pela tísica, resistisse a constantes ataques, insídias e adversidades de quantos, tanto usurários quanto judeus, tentavam eliminá-lo ou fazê-lo calar. Muitas cidades o chamavam e chegavam a pedir a intercessão do Papa para que ele pregasse em suas igrejas. Em 1481 foi nomeado pregador apostólico in forma solita e, em 1484, pregador apostólico in forma maiori.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Especial - O fascínio de São Francisco de Assis



Francisco encanta

Por Frei Hipólito Martendal

1. São Francisco encanta muita gente. 
Em artigos, referi-me algumas vezes à atração, ao fascínio que São Francisco exerce sobre pessoas de diversas religiões e até mesmo sem religião. Lembrava que o título de “A Personalidade do Milênio”, conferido pelos leitores do “New York Times”, não era bem uma homenagem de católicos fervorosos devotos do Poverello de Assis. Boa parte dos leitores é constituída de protestantes. Outros são católicos mais ou menos frios. Existem leitores materialistas e agnósticos (que em nada creem). Por que, então, votar em São Francisco, um modelo tão pouco moderno, tão antimaterialista e tão católico?

2. São Francisco encarnou a essência do cristianismo.
Aí está a resposta. São Francisco foi um dos raros seres humanos a compreender e a viver profundamente o cristianismo tal qual foi imaginado e vivido por Jesus. Isso significa que o Cristianismo em sua essência é belo e pode exercer poderosa influência sobre o ser humano. O problema está em que raras são as pessoas capazes de viver bem a alma do Cristianismo. Por isso, nossa luz, que devia ser um farol, transforma-se em uma velinha bruxuleante, como aquelas ridículas “velas-de-sete-dias” que toda hora se apagam e, quando acesas, iluminam quase nada.

3. O cristianismo em sua essência é humano. 
Uma das coisas que sempre me atraíram para o Cristianismo foi minha convicção de que Cristianismo e Humanismo têm muito em comum. Existe, em nossa cultura, forte tendência a apresentar o ser humano, a humanidade, a materialidade de um lado e Deus, o espírito, Jesus e o Cristianismo do outro, como dois mundos de difícil conciliação e entendimento. Para alguém se tornar cristão parece que é necessário renunciar à sua própria natureza e violentar a todas as suas tendências mais profundas. É mais ou menos como se Deus tivesse criado o ser humano e este tivesse fugido do controle e das intenções do Criador. Um filósofo, não me recordo agora quem, afirmou que o ser humano é um projeto que deu errado.

Mais cedo ou mais tarde precisamos fazer uma profunda revisão sobre a influência do maniqueísmo em nosso pensamento cristão. É necessário repensar toda a doutrina tradicional sobre o pecado original. Tal qual ela é entendida tem como conseqüência aceitar a idéia de que Deus foi um Criador inepto, incompetente, um aprendiz de feiticeiro desastrado. E o ser humano, como seu feitiço, teria se voltado contra Ele.

Claro que nós, humanos, podemos nos voltar contra Deus. Mas isso acontece não por inépcia divina, mas como fruto da sabedoria divina, por ter-nos criados livres. Deus, melhor do que ninguém, sabe que nenhuma adesão, nenhum amor, sem liberdade tem sentido. Então, ou Ele, Deus, criaria o homem livre, ou nunca seria amado por nenhuma de suas criaturas!

4. Convergências entre o humano e o cristão. 
Estou convencido de que existem muitos elementos em comum entre estas duas realidades. Em primeiro lugar, temos a própria liberdade como um valor essencial para dar sentido a qualquer ato humano autêntico. Deus nos criou para a liberdade. Em toda a história da raça humana, nenhuma virtude, nenhum ideal levou tantas pessoas até o sacrifício da própria vida, como a liberdade. Ela está entre os anseios maiores de todo ser humano autêntico, não escravizado por vícios ou desejos patológicos de posse. Jesus fala da liberdade como uma conquista a ser alcançada através da verdade. Muitos pensadores cristãos veem em algumas cartas de São Paulo uma espécie de “Evangelho da Liberdade”. Uma coisa é certa: a liberdade faz parte da essência do ser humano enquanto criatura de Deus e enquanto cristão.

Outro item importante dos ideais do ser humano simplesmente enquanto gente e enquanto cristão é o ideal do casamento indissolúvel até à morte. Parece estranho, não é? Não vamos falar do que a mídia pondera sobre o assunto. Mas quando recorremos às lendas, aos mitos, aos grandes romances, sempre aparece, em todo amante, em cada amada, o desejo, o sonho, a fantasia de um amor e comunhão eternos! Deus criou o ser humano para que tenha a posse eterna da alegria e da felicidade. Por isso, o sonho de realizações eternas faz parte de nossa natureza.

O exemplo que vou apresentar agora é ainda mais surpreendente. Uma vez li um artigo com o seguinte título: “O Cérebro que é bom não pensa”.
Maravilhado com a leitura, pus-me a pensar nas muitas situações de vida e das atividades humanas nas quais o cérebro pensante precisa ser desligado para conseguir-se um bom desempenho. Por exemplo, tentar dormir pensando na necessidade de dormir, provavelmente, resultará numa bela insônia. Mesmo o cestinha, numa partida de basquete, acerta mais lances de curta e média distâncias em ataques rapidíssimos do que em lances livres parado, a curta distância, sob os olhares de todos e com muito tempo para pensar. Um artista preocupado com seu desempenho comete muito mais falhas do que aquele que se entrega à arte sem nada pensar. Em situações de emergência e grande perigo, o cérebro de um bom motorista realiza cálculos supercomplexos em frações de segundos e comanda movimentos de grande precisão sem nada poder pensar. Sem isso muito mais gente morreria nas estradas e ruas.

Em perfeita sintonia com esses aspectos da natureza humana, muitas das melhores atividades e atitudes cristãs ocorrem sem cálculos, sem raciocínios. São frutos de puras intuições e de impulsos. Às vezes, só ocorrem em estados alterados de consciência, estados meio oníricos, meio inebriados. Sem isso não existe contemplação, a forma mais completa de oração e experiência com Deus. Mas até em situações bem concretas e materiais, como dar uma esmola, socorrer o necessitado, é melhor que as coisas se deem sem cálculos e raciocínios “que sua mão esquerda não saiba o que faz a direita”, diz Jesus.

5. São Francisco é a síntese. 
Já é lugar-comum dizer-se que Francisco é o mais santo dos homens e o mais humano dos santos. Já afirmei uma vez que São Francisco é uma espécie de milagre vivo. Apesar do maniqueísmo virulento de sua época, que ditava o desprezo de toda a materialidade e da natureza humana, apesar da feroz penitência que se impôs, Francisco perseguiu e viveu a alegria. Apesar de seu horror ao pecado, serviu a toda gente com imensa inocência e ternura. Até o assaltante era chamado de “irmão ladrão”, a quem o guardião do convento devia dar alimento quando batesse à porta.

Franciscano do dia - 27/09 - Bem-aventurado Domingo de São Francisco



Religioso e mártir no Japão, da Primeira Ordem (+ 1628). Beatificado por Pio IX no dia 7 de julho de 1867.
  
Domingo de São Francisco, mártir japonês, nascido em Nagasaki, foi catequista e assistente de Frei Antônio de São Boaventura, que o batizou alguns dias depois de sua chegada a Manila. Mais tarde, ele o admitiu à Ordem Terceira e escolheu-o como companheiro de ministério.

Desde então, durante 10 anos, Domingo não abandonou seu amado benfeitor senão que o acompanhou em todos os lugares, em meio aos perigos por causa da fúria da perseguição dos cristãos. Ele se encontrava em sua casa, ao lado de sua mãe, viúva convertida por Antônio, quando a 21 de janeiro de 1627 soube que o missionário tinha sido preso. Alegre com a notícia no dia seguinte, em suas melhores roupas, como se fosse para uma festa, correu direto para os juízes pedindo também para ser preso como irmão e servo do missionário. Efetivamente, pôde assim voltar a abraçá-lo na prisão de Omura. Com ele havia trabalhado no campo do Senhor, com ele queria entrar para o triunfo eterno.

Durante a prisão, Domingo fez ao Padre Antonio um insistente pedido. Por muitos anos ele queria tomar o hábito de São Francisco, mas nunca tinha sido possível. Agora, pois, humildemente pediu para fazer parte da Primeira Ordem. Na prisão escura foi realizado o rito de vestição religiosa e foi admitido entre os irmãos religiosos sob o nome de Frei Domingo de São Francisco.

Frei Antonio o aceitou de bom grado, fez na prisão um ano de noviciado e profissão dos votos de pobreza, obediência e castidade. Esta breve vida franciscana concluiria em Nagasaki no dia 8 de setembro de 1628, quando o mestre e o discípulo foram juntos para Monte Santo dos Mártires, onde foram amarrados ao poste sob uma fogueira. Morreram cantando louvores ao Senhor.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Santo franciscano do dia - 26/09 - São Elzeário de Sabran


Penitente da Terceira Ordem (1285-1323). Canonizado por Urbano V no dia 5 de abril de 1369.

Elzeário nasceu no castelo de Ansouis, uma pequena aldeia de Provence (França) em 1285. Seu pai era Ermangao de Sabran, conde de Ariano, no reino de Nápoles. Sua mãe Lauduna d’Albe de Roquemartine era uma mulher de grande piedade e caridade para com os pobres. Elzeario era o primogênito, e a mãe, após o batismo ofereceu ao Senhor, disse que estava disposta a entregá-lo antes que sua alma fosse manchada em sua vida pelo pecado mortal. O voto heróico da mãe foi ouvido. Ele teve ótima educação ao lado de seu tio Guilherme de Sabran, abade de renome do mosteiro beneditino de São Vítor.

Todavia, ainda muito jovem, por vontade de Carlos de Anjou, casou-se em 1299 com Delfina de Signe. Elzeario, muito inclinado à piedade, e Delfina, que não queria o casamento, de comum acordo resolveram conservar sua castidade, mesmo após as núpcias, e cumpriram o seu acordo.

Elzeário, com a morte de seu pai, tendo herdado, com outros títulos de nobreza, também o de conde de Ariano, foi para a Itália para tomar posse do condado, sob a imediata autoridade do rei. Naquela ocasião brilharam as virtudes de Elzeario. Por sua ardente caridade e o senso de moderação dos contratempos, conquistou o amor do povo. Seu talento o fizeram querido pelo Rei de Nápoles. Em 1312, quando Roma foi sitiada pelo exército do Imperador Henrique VII de Luxemburgo, Roberto de Anjou encomendou ao Conde de Ariano o mando de seus soldados que pediam ajuda do Papa. Elzeário aceitou a pesada tarefa com tanta persistência que forçou os imperiais a abandonar Roma.

Depois de quatro anos na Itália, retornou a Provence. Este retorno foi motivo de grande alegria para Delfina, e para todos os povos da região. Neste momento, o casal recebeu o hábito da Ordem Terceira de São Francisco das mãos do Padre João Julião da Riez. Se antes fizeram o juramento de perseverarem na virgindade, agora fizeram o voto de perpétua castidade. Todos os dias eles rezavam o ofício dos terciários e multiplicavam as obras de caridade e de penitência. O hábito franciscano consistia em uma túnica de pano cinza até os joelhos, apertada com o cordão. Ele se preocupou que, em seus territórios, florescessem a vida cristã, se mantivessem bons costumes, se administrasse a justiça e se defendessem os pobres da opressão dos ricos.

A 27 de setembro de 1323 foi o último dia de sua vida. Ele quis ter ao seu lado o famoso padre e teólogo Francisco Mairone com quem fez a confissão geral e de quem recebeu o Viático. Foi canonizado por Urbano V em 15 de abril 1369. Em sua canonização estava presente sua esposa Delfina. Em Ariano Irpino (Avellino) é venerado como um co-padroeiro da cidade.

sábado, 24 de setembro de 2016

Santo franciscano do dia - 24/09 - São Pacífico de São Severino


Sacerdote da Primeira Ordem (1653-1721). Canonizado por Gregório XVI no dia 26 de maio de 1839.

Pacífico (Apelidado Carlos Antônio), nasceu em São Severino, Marcas, em 1º de março de 1653, filho de Antonio Maria Divini e Maria Angela Bruni, último de 13 filhos. Após a morte de seus pais, foi recebido pelo tio materno Luzizo Bruni, prior da catedral de São Severino das Marcas, culto e bom padre, mas muito austero. Aos 17 anos, ele abraçou a vida religiosa entre os Frades Menores e em 28 de dezembro de 1671 foi admitido à profissão religiosa, em seguida, estudou filosofia e teologia e em 4 de junho de 1678 foi ordenado sacerdote em Fossombrone.

No convento do Crucifixo de Treia trabalhou duro para se preparar para o ministério e ensino. Em 25 de setembro de 1681, foi nomeado pregador e leitor. Durante três anos, ele ensinou filosofia e exerceu a pregação.

Por 10 anos, ele viajou muitas vezes às estradas das verdes Marcas, passando repetidamente por cidades e povoados; pregou em igrejas, praças, santuários, como um incansável difusor da verdade. Suas palavras sacudiram aos fiéis; zeu zelo comoveu os tíbios; sua humildade mortificou os soberbos.  Durante muito tempo ele foi lembrado nas Marcas por sua pregação elevada e persuasiva, inclusive quando as fadigas de sua vida de pregador volante o forçaram a retirar-se ao convento de  Forano, com os joelhos enfermos. Ele tinha 45 anos e viveu até os 68, sempre doente e sempre mais severo com ele mesmo, afligido por engano, e ferido pela calúnia. Em face de acusações injustas, Pacífico não defendeu. Ele manteve a paz silenciosa da mente que laboriosamente conquistado com uma vida de labuta e sofrimento.

Sua saúde piorou cada vez mais. A ferida em sua perna direita, foram adicionados surdez e cegueira progressiva, enquanto que nos últimos anos de sua vida tornou-se impossível para celebrar a missa, ouvir confissões dos fiéis e participar na vida da comunidade. Calvi Alexandre, bispo de San Severino em 11 de junho, 1721 veio visitar e desta vez com espanto o que apostrofaba ouviu: “Excelência, o Paraíso, o Paraíso, você vai primeiro e vou seguir logo depois.” Naquela noite, o bispo ficou doente e morreu em 25 de julho. Pouco Pacífico seguiria mais tarde, aos 68 anos, o 24 de setembro de 1721.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Artigo - Papa na Audiência: perdão e doação; pilares da convivência fraterna.



Cidade do Vaticano (RV) – “Misericordiosos como o Pai” foi o tema da Audiência Geral desta quarta-feira (21/09), na Praça S. Pedro.

Não obstante a chuva que caiu sobre Roma nas primeiras horas do dia, cerca de 25 mil fiéis ouviram o Papa Francisco falar que ser misericordioso não é um slogan, mas um compromisso de vida.

“Mas é realmente possível amar como Deus ama e ser misericordioso como Ele?”, questionou o Pontífice, que explicou:
“Se olharmos a história da salvação, vemos que toda a revelação de Deus é um incessante e incansável amor pelos homens: Deus é como um pai e como uma mãe que ama de amor insondável. A morte de Jesus na cruz é o ápice da história de amor de Deus com o homem. Um amor tão grande que só Deus pode realizar.”

Se comparado com este amor sem medida, prosseguiu o Papa, é evidente que o nosso parecerá imperfeito. “Ser perfeito significa ser misericordiosos”, afirmou. Mas quando Jesus nos pede para sermos misericordiosos como o Pai não pensa na quantidade, mas no compromisso dos discípulos se tornarem sinais, canais, testemunhas da misericórdia infinita de Deus.

Perdoar e doar-se

Por isso, a Igreja só pode ser sacramento da misericórdia de Deus no mundo, em todos os tempos e por toda a humanidade. Na prática, acrescentou Francisco, ser misericordiosos significa saber perdoar e doar-se. Jesus não pretende subverter o decurso da justiça humana, todavia recorda aos discípulos que para ter relações fraternas é preciso suspender os juízos e as condenações.

“O cristão deve perdoar. Por quê? Porque foi perdoado. Todos nós que estamos aqui nesta Praça fomos perdoados. Todos nós, em nossas vidas, sentimos necessidade do perdão de Deus. Porque fomos perdoados, devemos perdoar. Todos os dias rezamos no Pai-Nosso: perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Assim é fácil perdoar. Se Deus me perdoou porque não posso perdoar? Sou maior que Deus? Entenderam bem isso?

Dignidade

“Julgar e condenar o irmão que peca é errado”, destacou o Papa. “Não temos o poder de condenar o nosso irmão que erra, não estamos acima dele: mas temos o dever de recuperá-lo à dignidade de filho do Pai e de acompanhá-lo no seu caminho de conversão.” “Deus não quer renunciar a nenhum de seus filhos”, frisou o Pontífice.  

Perdoar é o primeiro pilar que sustenta a comunidade cristã, continuou. O segundo é doar-se. Estar dispostos a doar-se obedece a uma lógica coerente: na medida em que se recebe de Deus, se doa ao irmão, e na medida em que se doa ao irmão, se recebe de Deus!
Portanto, concluiu o Papa, o amor misericordioso é o único caminho a percorrer.

“Quanta necessidade temos todos nós de sermos um pouco mais misericordiosos, de não falar mal dos outros, de não julgar, de não falar mal com críticas, com inveja, com ciúme. Não! Perdoar, ser misericordiosos, viver a nossa vida no amor e doar. Este amor permite aos discípulos de Jesus não perder a identidade recebida por Ele, e reconhecer-se como filhos do mesmo Pai. Não se esqueçam disso: misericórdia e dom. Perdão e doação. E assim o coração se alarga no amor. Ao invés o egoísmo, a raiva faz com o coração se torne pequeno, duro como uma pedra. O que vocês preferem: um coração de pedra ou um coração cheio de amor?, perguntou aos fiéis na Praça. Se preferirem um coração repleto de amor, sejam misericordiosos!

Alzheimer

Ao final da Audiência, Francisco recordou que neste dia 21 de setembro celebra-se o 23º Dia Mundial do Doente de Alzheimer, que este ano tem como tema “Lembre-se de mim”.
“Convido todos os presentes a 'lembrarem-se', com a solicitude de Maria e com a ternura de Jesus Misericordioso, dos que padecem deste mal e de seus familiares para que sintam a nossa proximidade. Rezemos também pelas pessoas que assistem os doentes, que sabem colher suas necessidade, inclusive as mais imperceptíveis, porque vistos com olhos repletos de amor."

Franciscana do dia - 21/09 - Bem-aventurada Delfina de Glandèves


Virgem da Terceira Ordem (1284-1358). Concedeu ofício e Missa em sua honra Inocêncio XII no dia 24 de julho de 1694. 

Delfina de Signe, nasceu em 1284 em Puy-Michel nas colinas do Luberon, França, de nobre família dos Glandèves. Uma encantadora figura de mulher, que passou por todos os lugares do mundo, levando a luz da sua graça, o perfume da virtude, o calor do seu afeto. Não era uma santidade ruidosa, que marcou a história do seu tempo, senão uma santidade delicadamente feminina que se difundiu para alimentar aqueles que estavam ao seu redor.

Desde a infância, sua presença era luz e conforto para sua família. Aos 12 anos já estava noiva de um jovem não inferior a ela por sua gentileza, nobreza de sangue e beleza da alma. Elzeário, o noivo, era o filho do Senhor da Sabran e Conde de Ariano no reino de Nápoles. Desde o nascimento, sua mãe havia oferecido a Deus em espírito e, mais tarde, um austero tio o havia educado em um mosteiro. O casamento aconteceu quatro anos depois. Foi um casamento “branco”, porque o jovem casal escolheu a castidade, um meio de perfeição espiritual mais alto e árduo. No Castelo de Ansouis, os dois cônjuges nobres viveram não como castelhanos mas como penitentes; não como senhores feudais, mas como ascetas dignos dos tempos heroicos da Igreja primitiva.

No castelo de Puy-Michel, entraram na Ordem Terceira Franciscana. Sua vida interior foi enriquecida por uma nova dimensão, a da caridade, mediante a qual eles, ricos por sua condição, se fizeram humildes e pobres para socorrer aos pobres. Delfina e seu marido, além das penitências, orações e mortificações, dedicaram-se a todas as obras de misericórdia, destacando-se em todas.

Quando Elzeário foi enviado para seu ducado de Ariano como embaixador para o Reino de Nápoles, o trabalho de caridade do casal continuou em um ambiente ainda mais difícil. Em meio a tumultos e rebeliões, os dois santos foram embaixadores de concórdia, de caridade, de oração. Eles continuaram suas boas ações multiplicando seus próprios esforços e sacrifícios até conquistar a admiração das pessoas.

Elzeário morreu pouco depois em Paris. Delfina, porém, sobreviveu longo tempo e honrou a memória de seu marido da melhor forma possível continuando as boas obras e imitando suas virtudes. Ela teve a alegria de ver seu marido colocado pela Igreja entre os santos. Ela, aos 74 anos, pôde colocar sua cabeça calma e feliz para o descanso eterno. Morreu em Calfières no dia 26 de novembro de 1358.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Santo franciscano do dia - 20/09 - São Francisco Maria de Camporosso


Religioso da Primeira Ordem (1804-1866). Canonizado por São João XXIII no dia 9 de dezembro de 1962. 

Francisco nasceu em Camporosso no ano de 1804, de pais trabalhadores e profundamente religiosos; era o caçula de quatro filhos. Aos doze anos foi encarregado de tomar conta do pequeno rebanho da família, pois o ar livre faria bem às sua frágil saúde. Daí nasce a forte amizade com os outros pastores, que costumavam reunir para rezar e explicar-lhes um pouco de catecismo. Seus colegas tinham-lhe uma grande admiração e o chamava de eremita.

Um pouco mais velho, começou a ajudar os pais e irmãos nos trabalhos pesados do campo. Mas, fazia-se ouvir cada vez mais clara e forte uma voz que o chamava a doar-se totalmente a Deus, na vida religiosa. A primeira tentativa que fez como postulante entre os conventuais não satisfez seus desejos e aspirações; bate então, à porta dos frades capuchinhos e, no ano de 1825, começa o noviciado em Gênova.

Frei Francisco Maria expressou seu programa num lema: “Quero ser o jumento do convento”. E viveu este lema a cada dia com empenho e amor redobrados. Terminando o noviciado a obediência o destinou ao convento da Imaculada Conceição em, em Gênova, onde passará a vida toda; os primeiros dois anos a serviço dos irmãos mais velhos e doentes, depois no ofício de esmoleiro da cidade de Gênova.

Como esmoleiro, todos os dias passava em casas ricas e pobres pedindo esmolas e repartindo com os mais necessitados. Procurou imitar nisso São Félix de Cantalício e São Crispim de Viterbo. Vestido com uma túnica velha e toda remendada, debaixo de sol ou chuva, pés descalços, saco aos ombros, uma sacola nos braços e o terço mãos: assim se apresentava ao povo.

Tornou-se uma figura característica das ruas da cidade, sempre acompanhado por um menino, para evitar situações escabrosas em certos ambientes que era obrigado a visitar. Para todos tinha uma palavra de conforto e esperança; parecia conhecer os segredos mais íntimos do coração. E o povo passou a chamá-lo de “padre santo”.

A figura de frei Francisco era popular, inclusive no porto de Gênova entre os trabalhadores, estivadores, marinheiros e tripulantes. À noite quando chegava em casa cansado, um numeroso grupo de pessoas o aguardava na praça do convento para recomendar-se às suas orações, para pedir conselhos e contar os próprios problemas. Ele ouvia a todos e para todos tinha uma palavra de conforto.

Dedicava parte da noite à oração e à penitencia, em preparação ao trabalho do novo dia. Por quase quarenta anos, frei Francisco Maria exerceu a função de esmoleiro. A cada dia sua figura alta encurvava-se mais, os cabelos e a barba embranqueciam, mas se mantinha fiel ao seu dever.

Em 1866, a cidade foi atingida por uma grande epidemia; as ruas começaram a ficar desertas e a cada dia aumentava o numero de mortos. Frei Francisco Maria se oferece em sacrifício, como vitima de expiação para a saúde da cidade, diante de altar da Imaculada Conceição. Tem a certeza de que será atendido. No dia 17 de setembro falece, vítima da epidemia. Deste dia em diante a epidemia começou a diminuir e em pouco tempo acaba; todos tiveram a certeza de que foram salvos pelo padre santo.

Frei Francisco Maria nos deixou um grande exemplo da caridade: quis ser o jumento do convento no serviço aos irmãos e por fim oferecendo-se em holocausto em prol do povo que tanto amava.

domingo, 18 de setembro de 2016

Santo franciscano do dia - 18/09 - São José de Copertino


No dia 17 de junho de 1603, nasceu, no reino de Nápoles, na aldeia de Copertino, um menino de nome José. Era o filho mais novo da família Desa, cujo pai, um pobre carpinteiro, mal conseguia sustentar a família. Ele veio ao mundo num pequeno estábulo, onde permaneceu nos primeiros meses de vida, porque o pai, endividado, teve de vender o pouco que possuíam. 

Já naquela época os desníveis sociais geravam miséria, insegurança e sofrimento, impedindo que filhos de famílias pobres estudassem e desenvolvessem sua cultura e inteligência. Mas, apesar de iletrado, o menino foi criado no rigor dos ensinamentos de Cristo, pois sua família era muito religiosa. Assim foi a infância de José. Os únicos talentos por ele manifestados foram de ordem espiritual: o da oração e o da caridade para com os mais necessitados, que sofriam as agruras da miséria, como ele.

Quando completou dezessete anos, estava determinado a tornar-se frade. Mas até os capuchinhos que o haviam aceitado como irmão leigo fizeram-no devolver o hábito, por causa da sua grande confusão mental. Isso causou a José um sofrimento muito grande. Mas não desistiu. Finalmente, foi aceito no Convento de Grotella, pelos Frades Menores, que o acolheram e lhe deram uma tarefa simples: cuidar de uma mula.
Mesmo renegado, estava determinado a ser sacerdote. Foi então que as graças divinas começaram a intervir na sua vida. Apesar da dificuldade que tinha em estudar, milagrosamente saía-se muito bem nas provas para tornar-se sacerdote. Desde então, começaram a aparecer sinais de predileção divina e fenômenos que atestavam sua santidade interior, presenciados pela comunidade de fiéis e irmãos da Ordem. Eram manifestações extraordinárias, como, por exemplo, curas totalmente milagrosas de doentes de todos os tipos de enfermidades. Ainda: em êxtases de oração, caminhava pela igreja sem colocar os pés no chão e, sem tomar nenhum cuidado com o corpo, exalava um fino e delicado odor. Por tudo isso, já era venerado em vida como santo.

Outro fato relevante na vida de José de Copertino é que, apesar de quase não ter nenhum estudo teológico, tinha o dom da ciência e era consultado por teólogos a respeito de questões delicadas. Espantosamente, tinha sempre respostas sábias e claras. Com isso, José conquistou a glória máxima e, mesmo sendo considerado o frade mais ignorante de toda a Ordem franciscana, sua fama de bom cristão, seu comportamento peculiar e seus milagres chegaram a Roma. O papa Urbano VIII convocou-o e recebeu-o com as honras de que era merecedor. Talvez esse tenha sido um dos dias mais felizes na vida de José de Copertino.

Em 1628, foi ordenado sacerdote. José de Copertino mergulhou tão profundamente nas coisas de Deus que acabou se tornando um conselheiro de padres, bispos, cardeais, chefes de Estado e religiosos em geral. Todos o procuravam. E ele os atendia com paciência, humildade e sabedoria, indicando-lhes a luz de que necessitavam.

José de Copertino morreu aos sessenta anos de idade, no dia 18 de setembro de 1663, no Convento de Osímo, Itália. O local, que se tornara um ponto de peregrinação com ele ainda vivo, tornou-se, imediatamente, um santuário a ele dedicado. Festejado liturgicamente no dia de sua morte, este singular frade franciscano é considerado pelos estudiosos como “o santo mais simpático da hagiografia católica”.
Os frequentes êxtases espirituais, que lhe permitiam “voar” literalmente pela igreja, fizeram de São José de Copertino o padroeiro dos aviadores e para quedistas. Também, devido à sua determinação diante das numerosas dificuldades encontradas nos estudos e exames de seleção, é considerado o santo padroeiro dos estudantes que se encontram nessa condição, anualmente.

sábado, 17 de setembro de 2016

Artigo - Francisco de Assis – o amor que deixa marcas.



Por Frei Vitório Mazzuco Fº

“Homem novo, Francisco tornou-se famoso por novo e estupendo milagre: por singular privilégio, jamais concedido nos séculos anteriores, apareceu assinalado, ou ornado, com os sagrados estigmas, configurando o seu corpo mortal ao corpo do Crucificado. Tudo o que a humana língua possa dele falar sempre estará aquém do louvor de que é digno. Inútil procurar a razão, porque é maravilhoso, nem se trata de buscar um exemplo, pois é único. Todo o empenho do homem de Deus, quer em público, quer em particular, dirigia-se para a Cruz do Senhor. Desde o primeiro instante em que começara a servir sob o Crucificado, diversos mistérios da Cruz resplandeceram em torno dele” (3Cel 2,1).

Quem centra sua vida numa determinada busca, numa focada paixão, num visível enamoramento, percebe claramente que o objeto deste Amor vai aparecendo nas nuances da vida. O que amamos nos surpreende em evidentes sinais, como uma reveladora novidade.  Francisco de Assis foi estigmatizado, e os estigmas são como as marcas do Crucificado que São Paulo dizia trazer consigo. Um humano renovado se molda sobre um caminho de grandes desafios e, porque não, de sofrimento. O Amor deixa marcas e amar tem a sua glória e cruz, tem a sua flor e dor. Toda renovação vai à fonte inicial da vida que é parida em dor. E podemos perguntar: o que tem de humanidade nova nisto, o que tem de novidade?

A novidade presente em sofrer por Amor é muito raro na literatura espiritual antiga. Vamos encontrar no antigo Império Romano a presença do termo novus ou novitas, no discurso de Cícero, orador romano, na sua peça de oratória chamada “Pro Murena”, onde ele defende que não devemos ignorar as marcas deixadas pelo sofrimento nos caminhos da consolação. Para Cícero, as marcas da dor são glórias da luta. Cícero escreve isto para Murena, senador romano, dizendo que “as virtudes de um senador são mais importantes que o seu nascimento”. As marcas deixadas pelo Amor não são sofrimento pelo sofrimento, mas reconhecimento.

Novo Homem, ou a novitas, pode ser entendido como o original. A sua Forma de Vida era viver o Evangelho segundo o Crucificado. Imprimiu na alma esta verdade, e da alma ficou impressa no corpo. Mas o que é o Humano Novo? São Paulo diz: “Em Cristo fomos fostes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior – o homem velho que se corrompe ao sabor das coisas enganosas – e a renovar-vos pela transformação espiritual de vossa mente, e a revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4,20-24). Ser uma nova criatura não é revestir-se de si mesmo, mas revestir-se de Cristo. Fazer a investidura do que se ama. Isto é um processo para toda vida. A estigmatização de Francisco aconteceu 20 anos após a conversão, mas foram 20 anos de seguimento e imitação apaixonada. Voltemos a São Paulo: “Vós vos desvestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segunda a imagem do seu Criador. Aí não há mais grego ou judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas sim o Cristo que é tudo em todos” (Col 3,10-11). O Humano Novo não é apenas um indivíduo particular ou uma aventura psicológica de mudança efêmera, mas é um Humano Singular, Único, Original que assume uma nova postura de vida, como que uma nova aliança.

Estigmatização é renovação vinda de um caminho percorrido, não é algo imaginário, mas é real quando se percebe uma extraordinária transformação. Renovar-se é a força do humano que não se sente mais escravo de nada, é livre, diante da natureza e da lei, do selvagem ao civilizado, mas acrescenta algo à identidade humana. Francisco apresentou-se ao mundo com as marcas da fraternidade que vinha de uma vivência cristológica. Ele marcou a vida de um modo original. No Cântico das Criaturas ele integrou a terra e os astros, o masculino e o feminino, o selvagem e o civilizado. O seu corpo é o corpo da existência fraterna, por isso pode integrar o natural e o espiritual, o bárbaro e o comportado, o homem e a mulher. “ Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova” (2Cor 5,17).

Voltando a Cícero, ele entendia o homem novo como aquele que assumiu um cargo público e deve ser o primeiro a mudar. Voltando a Francisco de Assis, ele é o mercador, filho de mercador, desprezado pela nobreza de então, mas assumiu o código de cavaleiro, não pela função em si, pois jamais fez a iniciação cavaleiresca, mas pelos valores que a sua vida exigia. Assim ele vence o desprezo e a incompreensão, ele vence a estigmatização social, mostrando que ele agora tem uma nova função, mesmo com todo sofrimento que isto implica. Ele não se identifica mais com as funções que o pai e a sociedade queriam para ele, mas sim com a nova função, levar ao mundo o jeito sempre Novo da Boa Nova, nascida no presépio e complementada na Cruz, caminho total de mudança radical. O Evangelho e o Reino anunciado e vivido por Jesus tornam-se a grande novidade: a inesperada Humanidade de um Deus e a inquietude humana em abraçar esta Humanidade Nova, que vai trazer a máxima liberdade, a fecunda liberdade, o espírito de coragem, o acesso definitivo à filiação divina.
No Testamento, Francisco diz: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim” (Test 1), ele sabe que ele não foi um profissional da religião, mas um enamorado guardião de uma grande Inspiração. Os estigmas de Francisco são sinais concretos e não imaginação. O Cristo que o inspirou não foi estigmatizado, mas Crucificado! Os texto do Evangelho contam com mais detalhes a Paixão de Jesus do que o seu Nascimento.

A intensidade de uma vida deixa marcas e consequências. Não devemos nos prender à confusão entre narrativa e iconografia. Tem gente que está preocupada em provar se São Paulo caiu ou não do cavalo em Damasco. Toda a questão é ver o que mudou na vida de São Paulo. Nós também não precisamos buscar o corpo de Verônica Giuliani, Catherine Emmerich, e Padre Pio de Pietrelcina, para ver fenômenos excepcionais que aconteceram neles. Mas sim buscar indícios na vida de Francisco de Assis e de outros, quanto a uma grande transformação do humano em divino. Os estigmas de Francisco são descobertos e decifrados depois da sua morte, mas as marcas de Cristo já estavam com ele em vida. Marcas são reconfigurações em vida e que a morte deixa como uma herança.

Francisco de Assis recebeu a marca de um Serafim, é a polivalência de uma teofania. É a chama que se acende quando o Anjo e o Homem se encontram. É a figura divina inacessível ferida de Amor e dor que toca o Humano ferido de Amor e dor. É o encontro heroico com as marcas do Amor que glorificam uma entrega. Vida evangélica, vida mística, vida fraterna deixam marcas do interior para o exterior.

Francisco de Assis tem que ser visto na inteireza de sua vida e não no fato isolado de sua estigmatização. Porque os estigmas são convergência de um caminho de santidade, de fundador de uma Ordem, de um profeta de um novo mundo. Os estigmas recontam a vida de Francisco do início ao fim, mostram a inteireza de sua existência. Ele é o Humano Novo dentro de um mundo envelhecido de ontem e de hoje. Ele libertou o mundo de então da depressão coletiva, de voltar-se para o egoísmo, ambição e avareza, de fixar-se em propriedades, de privilégios de sangue e castas sociais, e fazer com que a fraternidade não fosse apenas um modo de monges viverem juntos, mas o jeito de conviver nas estradas do mundo. Ele fez Cristo voltar a andar nos caminhos mais costumeiros da vida, e este Cristo que um dia andou pelas estradas da Palestina amou tanto que foi crucificado. Sofrimento e perfeita alegria. Transformação e laços consanguíneos com o Amado. O corpo de Francisco foi marcado pela centralidade da sua busca: ser igual a Ele! Ele tatuou em sua carne a Palavra Encarnada e Inovadora.

Quem um dia deixou-se marcar pela Cruz trouxe a salvação para a humanidade. O Amor não tem sofrimento inútil. O Amor é uma fusão de vontades amantes. Diz Tomás de Celano: ”O filho respondeu diligentemente ao pai, sabendo que pelo Senhor lhe era dada a palavra da resposta: “Dize-me, por favor, ó pai, com quanta diligência teu corpo obedeceu às tuas ordens, enquanto pôde?” Ele disse: “Filho, dou meu testemunho de que ele foi obediente em tudo, em nada poupou a si mesmo, mas quase se precipitava a todas as ordens. Não fugiu de trabalho algum, não escapou de incômodo algum, bastava-lhe poder cumprir as ordens” (2Cel 211).

O corpo de Francisco de Assis não é mais dele, mas do Amor! Não é apenas um fragmento de macrocosmo, uma simples modalidade de viver nesta terra, não é um sangue anônimo. Ele é um corpo transfigurado pela vontade do Amor! É um corpo livre do mundo, da eclesiologia, das doenças e dos demônios, e de tudo o que o ameaça.  Agora não é mais corpo em forma de carne humana, mas sim totalidade de uma vida, é Corpo de Cristo! É um Corpo ritual e sagrado. Ele agora pode mostrar a dramatização de uma Encarnação: de Greccio ao Alverne este corpo mostra o que o Amor moldou em si. 

Em Greccio, Francisco encenou o Presépio, no Alverne Francisco sangrou a identificação com a Palavra Encarnada! É agora, não um Natal para crianças, mas uma Natividade para adultos. Quer Amar? Então toque o Verbo na sua manifestação mais natural e mais amorosa. Não é apenas ouvir a Palavra, mas ter a Palavra no sangue. A Palavra se fez Carne porque a Carne se fez Amor. É a Palavra expressiva num corpo expressivo. Agora o corpo tem uma importância eterna porque tem as marcas do Amor!

Francisco estigmatizado é o corpo traspassado de um desejo profundo. É o corpo que se fez portador da vontade do Senhor assim como Maria: “Faça-se em mim segundo a tua Vontade!” Maria deu-nos o Menino, o Emanuel, o Deus Conosco. Francisco no Deus o Cristo Pobre, Humilde e Crucificado. Greccio e Alverne se encontram na mesma verdade! Este Corpo arde e fala! Este corpo concretizou encontros e rupturas. Deu todos os bens para abraçar a Pobreza. Deu todo o afeto para abraçar o leproso. Deu toda a sua pureza de coração para abraçar a fraternidade. Deu todo os seus ouvidos ao Crucificado de São Damião que pediu a reconstrução da casa. Deu um novo início ao Evangelho transformando- o em Forma de Vida.

No corpo estigmatizado de Francisco a impressão de sua vida inteira, estigmatizada pela Pobreza, Obediência e Pureza de Coração. No corpo de Francisco as marcas de sua marginalidade assumida, pois foi rejeitado por nobres e cidadãos de sua época.  No corpo de Francisco o Amor devorante de Deus e por Deus, um Amor capaz de assumir a fraternidade dos marginalizados da sociedade oficial. Como o Amado ele também abraçou os cegos, os camponeses, os paralíticos, os que não podiam ganhar nada para viver, as mulheres que não podiam nem falar e nem seguir fora da vigilância das autoridades. Ele assumiu em si os estigmas sociais de seu tempo. Não foi um bode expiatório, sim um reformador fraterno de um modo mais leve de viver o Evangelho.

No corpo estigmatizado de Francisco a responsabilidade de conduzir uma Fraternidade que nele acreditou e que não tinha onde reclinar a cabeça. Eram peregrinos e viandantes, vivia com os seus companheiros primitivos   a beleza de estar no mundo como um claustro transitório. Neste mundo encontraram a criação que restituíram ao Criador, pois viram nela a fonte da beleza, do louvor e da graça, podiam falar da Criação como uma consanguinidade familiar, um laço universal que autoriza a falar de todas as criaturas como irmãos e irmãs. Devolveram tudo para não ter posse e inveja de nenhum acúmulo. Viveram uma metamorfose ambulante.

No corpo estigmatizado de Francisco a consolação bela e prudente da serena irmã e companheira, Clara de Assis! Ela entendeu que a Cruz tinha que ser guardada e cuidada para sempre, e que Francisco era seu Espelho. Francisco foi ao mundo levar o Evangelho. Clara ficou no claustro para reviver o ventre de Maria. O Amor tem que ser concebido cada dia. Francisco teve que sofrer pela liberdade de Clara, mas os dois foram muito felizes na liberdade do Amor. A natureza do Amor foi reconstruída como o verdadeiro claustro. Em Clara, a vida do Mosteiro é matriz na qual cada dia a palavra de Deus vem ao mundo. Clara não é apenas uma seguidora de Francisco, ela beija o sangue dos estigmas que ele conquistou e bebe na mesma Fonte.  Diz Angela de Foligno: “Na plenitude de Deus, eu colho o mundo inteiro, além de tudo, dos mares e dos abismos, do oceano de cada coisa. E em tudo, não percebo outra coisa que não seja a potência divina, de modo inenarrável. Então, no ápice da admiração, a minha alma exclama: esta natureza de Amor é grávida de Deus!” (Angela de Foligno, Memoriale, VI, 1285-1298 ).

No corpo externo estigmatizado de Francisco o esponsal com o corpo interno, a sua vida interior, marcada pelo Amor ao Crucificado. É uma prova evidente: ele que tocou com o Amor toda a obra de Deus, foi tocado com muito Amor pelo próprio Deus. Não é dor corporal, mas sentidos da vida que passam pelo crivo da entrega mais radical por Amor. Francisco não somatizou a dor, mas sim deixou que o Amor marcasse seu corpo. Ele e o Amor tornaram-se Um!

Frei Vitório Mazzuco 

Texto retirado do blog Carisma Franciscano de Frei Vitório Mazzuco  http://carismafranciscano.blogspot.com.br/