sábado, 25 de agosto de 2018

Santo Franciscano do dia - 25/08 - São Luís IX, Rei da França - Padroeiro da OFS


Rei da França. Protetor da Ordem Terceira (1215-1270). Canonizado por Bonifácio VIII no dia 11 de agosto de 1297. 

Luís IX, rei da França nasceu aos 25 de abril de 1215. Foi educado rigidamente por sua mãe Branca de Castela e por ela encaminhado à santidade. Começou a ser rei da França em 1226. Casado com Margarida de Provença, ele impôs-se por toda vida exercício diário de piedade e penitência em meio de uma corte elegante e pomposa. Viveu na corte como o mais rígido monastério e tomou a todo o país como campo de sua inesgotável caridade. Quando o qualificavam de demasiado liberal com os pobres, respondia: “prefiro que meus gastos excessivos estejam constituídos por luminoso amor de Deus, e não por luxos para a vã glória do mundo”.

Sensível e justo, concedia audiência a todos debaixo do célebre bosque de Vincennes. Admirava-lhes sua serena justiça, objetiva supremo de seu reinado. A seu primogênito e herdeiro lhe disse uma vez: “preferiria que um escocês viesse da Escócia e governasse o reino bem e com lealdade, e não que tu meu filho, o governasse mal”. Toda sua vida sonhou em poder liberar a Terra Santa das mãos dos turcos. Por uma primeira cruzada promovida por ele terminou em fracasso. O exército cristão foi derrotado e dizimado pela peste. O rei caiu prisioneiro, precisamente a prisão de Luís IX foi o único resultado da expedição. As virtudes do rei impressionaram profundamente os muçulmanos, que o apontaram “o sultão justo”.

Em uma segunda expedição ao oriente, ele mesmo morreu de tifo em 1270. Antes de expirar mandou dizer ao Sultão de Túnez: “Estou resoluto a passar toda minha vida de prisioneiro dos sarracenos sem voltar a ver a luz, contanto que tu e teu povo possais fazer-se cristãos”.
Os terceiros franciscanos festejam neste dia 25 de agosto a seu patrono, São Luís, rei da França, ilustre coirmão na terceira Ordem da penitência. Foi sua mãe Branca de Castela que o encaminhou à santidade.

 Foi um terceiro franciscano que teve de Deus o encargo de exercitar a caridade em terras da França. Na história da França se recorda como um soberano sapientíssimo e também enérgico. O vemos praticar todas as obras de misericórdia convencional, traduz sua fé em ação e buscou no solo viver, e também governar segundo os preceitos da religião. São Luís IX, rei da França, morreu em 25 de agosto com a idade de 55 anos.

Os cruzados voltaram para a França trazendo o corpo do rei Luís IX, que já tinha fama e odor de santidade. O seu túmulo tornou-se um local de intensa peregrinação, onde vários milagres foram observados. Assim, em 1297 o papa Bonifácio VIII declarou santo Luís IX, rei da França, mantendo o culto já existente no dia de sua morte.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Especial - São Luís IX, Rei da França - Padroeiro da Ordem Franciscana Secular


São Luís IX e os Franciscanos - (Final)

Frei Sandro Roberto da Costa, ofm

Estamos muito bem informados sobre a vida de Luís, através das várias biografias, escritas por contemporâneos seus, ou pessoas próximas a seus familiares. As principais informações nos foram transmitidas por seu amigo, confidente, e mais importante biógrafo, o leigo Jean de Joinville, que escreveu “A Vida de São Luís”. Outra biografia foi escrita por Godofredo de Beaulieu, frade dominicano e confessor do rei, que lhe esteve muito próximo nos últimos vinte anos de sua vida. O capelão do rei, Guilherme de Chartres, Grão-Mestre da Ordem dos Templários também escreveu uma “Vida de São Luís”. Outra fonte importante é a vida escrita pelo franciscano Guilherme de Saint-Pathus, confessor da rainha Margarida de Provença, que se utilizou do inquérito papal para a canonização de Luís, para escrever a sua “Vida”. Finalmente, outra obra sobre a vida de Luís foi escrita por Guilherme de Nangis, também confessor da rainha Margarida. As biografias de Luís, para além das intenções políticas que as permeiam, nos fornecem importantes informações sobre a vida, as opções, o modo de agir de um homem que, colocado à frente da administração política de um reino, buscou pautar sua vida segundo os valores do Evangelho e dos padrões propostos pela Igreja de seu tempo. E o fez de modo tão perfeito, que chegou à honra dos altares.

1. Um santo leigo!

Diferentemente dos santos de seu tempo, Luís é um santo leigo, e é casado. Isto não deixa de ser notado pela maioria de seus biógrafos: santo, apesar de ser leigo e casado! Humilde, piedoso, virtuoso, Luís, no entanto,  continua um leigo, não é um sacerdote. É, sobretudo, casado, pai de família, que não renuncia às obrigações e prazeres conjugais e à sexualidade, submetidos aos ditames da lei da Igreja, como os “dias de resguardo”. Luís vai ser pai de onze filhos, três dos quais nascem durante sua permanência no Egito. Sua mulher o acompanha na peregrinação. Sua biografia, a primeira vida de um santo escrita por um leigo, vai priorizar elementos que normalmente não se destacavam nas biografias, quase todas escritas por eclesiásticos e sobre clérigos: Jean de Joinville vai pôr em relevo, na vida de Luís, sua relação com a sexualidade, com a guerra e a política. É um rei que vai à guerra, que combate valorosamente, inclusive nas cruzadas, mas é, ao mesmo tempo, um rei de paz, que tudo faz para mantê-la, através dos tratados e negociações.

Isso não o impede de exercer bem suas funções em favor do povo. Coadjuvado em grande parte pela astúcia política de sua mãe, Branca de Castela, Luís conseguiu estabelecer a paz e a harmonia no reino. Isso foi conseguido após árduas batalhas, mas também através de hábeis negociações e uma série de tratados, onde não faltaram os matrimônios arranjados entre os irmãos do rei e as filhas da nobreza de reinos circunstantes, em função da pacificação e do fortalecimento dos laços do reino com outras potências. Outra frente de atuação de Luís foi a organização das finanças. Em política, Luís tentou instaurar um código de conduta especificamente cristão.

Gravemente doente: o voto da cruzada

Uma vez organizado e pacificado o reino, Luís organizou a sétima cruzada. Na origem desta expedição está a grave doença que o acometeu, em dezembro de 1244, e que o deixou praticamente à beira da morte. Num esforço extremo para recuperar a saúde, o rei fez a promessa de que, se ficasse curado, iria organizar uma cruzada. Depois de quatro anos de preparação, em junho de 1248, com sua mulher Margarida, e seus irmãos Carlos de Anjou, Afonso e Roberto de Artois, após receberem a bênção do papa Inocêncio IV, partiram para libertar o Santo Sepulcro. O reino ficou a cargo de sua mãe, Branca de Castela, que já dera provas suficientes de que teria condições de conduzi-lo na ausência do filho. Devido a uma série de reveses, incluindo tempestades que desviaram a frota, além de epidemias, os cruzados tomaram, em 08 de junho de 1249, a cidade de Damieta, no Egito. No caminho para o Cairo, deu-se a famosa batalha de Mansurá, onde perdeu a vida o irmão de Luís, Roberto de Artois. A disenteria e o escorbuto ajudaram a enfraquecer ainda mais a tropa. 

Luís e seus soldados foram feitos prisioneiros pelos muçulmanos. Sua mulher, Margarida, passou a comandar os cruzados. Após o pagamento de um vultuosa soma, Luís e seus soldados foram libertados depois de um mês de cativeiro, em maio de 1250. O rei e suas tropas passaram ainda quatro anos na Terra Santa, consolidando as fortalezas cristãs, conduzindo negociações entre cristãos e muçulmanos. Tendo recebido a notícia da morte da mãe, retornou à França, entrando em Paris em setembro de 1254.

A volta da cruzada, a saudade do Oriente: a morte às portas de Túnis

De volta da cruzada, entre 1254 a 1270, Luís continua desempenhando sua missão de monarca cristão. Se antes já exercia suas funções como rei exemplar, praticando a justiça e defendendo o direito, principalmente dos pobres, após o retorno do Oriente estas práticas se acentuam. Os estudiosos sublinham a mudança de comportamento após a volta da cruzada. A experiência frustrada deixou marcas profundas na alma de Luís. O rei justo, ético, modelo de cristão piedoso, passa a ser ainda mais cioso da prática da justiça, além de acentuar suas práticas de devoção e de piedade, e suas obras de caridade para com os pobres e os religiosos.

Desde que retornara da cruzada, o horizonte de vida de Luís passou a ser a Terra Santa. Em meio às funções que exigiam a administração do reino, o monarca deixava claro que não sossegaria enquanto não organizasse uma nova expedição à Terra Santa. A decisão foi anunciada a 25 de março de 1267. Em 04 de junho de 1270, Luís, seus filhos João Tristão e o herdeiro Filipe, além de vários nobres, partiram em direção a Túnis. Desembarcados às portas da cidade, uma forte epidemia de disenteria e febre ataca os cruzados. João Tristão morre a 03 de agosto. Depois de muito sofrimento, estendido sobre um leito de cinza em forma de cruz, Luís inicia sua definitiva viagem ao encontro daquele que tão ardentemente buscara nesta vida. Um longo processo iniciado logo após sua morte vai culminar com a canonização solene, sob o pontificado de Bonifácio VIII, em 1297. Sua festa foi fixada em 25 de agosto, dia de sua morte.

A espiritualidade que moveu São Luís de França

“Os contemporâneos do rei… praticamente não tinham como deixar de classificar esse soberano a não ser com a palavra santo – mas um santo excepcional, do mesmo modo que São Francisco o tinha sido como religioso, no início do mesmo século XIII”. Esta afirmação do ilustre medievalista francês nos fornece elementos para uma análise da espiritualidade que inspirou os gestos e decisões do monarca, a ponto de ter sido declarado santo pela Igreja. Um dado importante é o fato de que Luís já era considerado santo por seus contemporâneos. Mas era um santo com um endereço definido: um santo franciscano. Ora, de onde vem esta percepção? Para dar uma resposta, temos que nos debruçar brevemente sobre a espiritualidade cristã que dominava então o Ocidente à época de Luís.

2. Espiritualidade medieval: movimentos de contestação, franciscanos e dominicanos

Nos séculos XII e XIII, um dos principais motes dos movimentos de contestação, liderados por leigos, mas  também por clérigos, era a dura crítica que faziam à Igreja e seus membros, principalmente da hierarquia, por sua ligação com o “século”, o apego às riquezas, a luta pelo poder, seu distanciamento dos fiéis a quem deviam pastorear, a incapacidade de pregar, seja pelo mal preparo intelectual, ou pela acomodação em que viviam, ao mesmo tempo em que mantinham os fiéis distantes da Palavra de Deus[16]. A resposta a esta incapacidade dos membros da Igreja de proferir uma palavra evangélica de esperança e de coragem à imensa massa dos fiéis, foram os movimentos alternativos, protagonizados por leigos e clérigos. Nem sempre ortodoxos, propunham meios para o retorno ao Evangelho, através principalmente da pregação e de um exemplo de vida pobre e humilde, calcado na vivência do Evangelho “sine glosa” (ao pé da letra). Alguns destes movimentos descambaram para a heresia. Consolida-se, aos poucos, a certeza de que o caminho de santificação não é exclusivo de clérigos, monges e membros da hierarquia, mas que todos, inclusive homens e mulheres casados, sem renunciar ao seu estado, também podem encetar a “Sequela Christi”: seguir nu o Cristo nu.

Domingos de Gusmão, com os dominicanos, e Francisco de Assis, com os franciscanos, constituem, de um certo modo, o ponto de chegada de todo esse movimento de contestação. “Esses religiosos de um novo gênero, cujo rápido sucesso é extraordinário em toda a cristandade, vivem, diferentemente dos monges, entre os homens nas cidades, misturam-se estreitamente aos leigos e são os grandes difusores das práticas religiosas que renovam profundamente: a confissão, a crença no Purgatório, a pregação. Penetram nas consciências e nas casas, entram na intimidade das famílias e dos indivíduos. Praticam as virtudes fundamentais do cristianismo primitivo em uma sociedade nova: a pobreza, a humildade, a caridade”[17]. Diferentemente das instituições monásticas tradicionais, que vivem no isolamento de seus mosteiros, distante do “mundo”, o espaço urbano, com todas as suas contradições e perigos, é o lugar privilegiado de atuação dos frades. Não moram em “conventos”, mas em “locus”, casas simples, em meio às pessoas, que deveriam converter pelo exemplo de vida.

Tendo suas origens como movimento misto, onde não havia a distinção entre clérigos e leigos, logo são assimilados pela Igreja e passam a fazer parte da hierarquia e a servir aos seus projetos de poder. Mas a origem laica e o protagonismo dos leigos sempre esteve no horizonte do movimento, ao menos como ideal. O melhor exemplo disto é o próprio Francisco de Assis, que era leigo, sem provas conclusivas de que teria sido ordenado diácono. Além de criar uma instituição para receber mulheres (as Damas Pobres ou Clarissas), Francisco também iniciou a Ordem Terceira, para leigos, homens e mulheres, casados ou não, que não precisavam “abandonar o mundo”, mas poderiam se santificar permanecendo no seu estado de vida laica, em família. São Luís é leigo, e seu principal biógrafo também é leigo. A espiritualidade leiga que começa a avançar no século XIII, e a santidade, até então apanágio de clérigos e monges, passa a ser possível também aos leigos. Santificar-se vivendo o Evangelho em fraternidade, pobreza e penitência, praticado a caridade, anunciando, principalmente pelo exemplo de vida, a paz e o bem, eram os principais motes dos seguidores de Francisco de Assis. Luís se insere neste contexto.

2. São Luís e a espiritualidade mendicante

Na vida de São Luís, homem religioso e piedoso, os religiosos em geral ocupam um lugar de destaque. Mas entre estes, gozam de maior simpatia e familiaridade do rei aqueles que têm sua vida pautada por uma regra de mais estrita observância e radicalidade evangélica. A amizade que unia o rei e os beneditinos cistercienses era conhecida de todos. O rei construiu para os monges uma belíssima abadia, a de Royaumont, e para lá se dirigia com prazer, com toda sua família, onde se entretinha com os monges, como se fosse um deles, nas orações, ofícios, práticas devocionais e de caridade. Outro grupo religioso que ocupa um lugar central na vida de Luís são os mendicantes, especificamente dominicanos e franciscanos.

Quando Luís nasceu, o movimento franciscano estava nos seus inícios, dando os primeiros passos fora da Úmbria. Francisco de Assis tinha uma ligação sentimental com a França: sua paixão pela língua francesa provavelmente estava na origem de seu nome. Há indícios de que sua mãe fosse de origem francesa, e por isso era também chamada de “Provençal”. Nos inícios da Ordem, Francisco havia tentado viajar à França, mas foi impedido pelo cardeal Hugolino, que o aconselhou a ficar na Itália. Francisco enviou assim alguns frades. Frei Pacífico chega a Vézelay em 1217, e aí estabelece o primeiro convento franciscano em terras francesas, denominado “la Cordelle” (por causa da “corda” com os três nós que os frades usam). Em 1219, estão em Paris e em Saint Denis, onde serão conhecidos como “cordeliers”. Em 1223, estão em Lens, no Norte da França.

Luís é muito próximo dos franciscanos e dominicanos, e é a espiritualidade preconizada pelos mendicantes que vai inspirá-lo no exercício de seu governo enquanto leigo cristão. Os franciscanos, nas suas pregações nas cidades, são os maiores divulgadores desta espiritualidade nova, do Cristo vivo, encarnado, humano, humilde e sofredor, crucificado pelos pecados da humanidade. Uma espiritualidade cristológica, de um Cristo que se revela nos pobres, nos leprosos, nos abandonados. É, ao mesmo tempo, uma espiritualidade penitencial, de conversão pessoal e de reforma, de combate aos abusos da Igreja, uma espiritualidade da “sequela christi” (seguimento de Cristo), do seguimento da “Vita Apostolica” (da vida dos Apóstolos), que encontra eco nas almas mais sérias e sedentas de uma prática cristã original, propugnada e popularizada pelos pregadores dos movimentos heréticos.

Luís pratica todos os atos de devoção, então comuns e esperados dos reis cristãos piedosos: os ofícios litúrgicos, a frequência aos sacramentos (confissão, comunhão), o culto às relíquias, o respeito à Igreja e a sua hierarquia, as práticas penitenciais e ascéticas, e a prática da caridade, principalmente para com os pobres. Sua mãe foi a grande responsável por discipliná-lo, desde a mais tenra idade, no caminho da devoção e da piedade. “No centro de sua vida está a oração, como um sol que ilumina todas as horas do dia. À meia noite o rei se veste para dizer as matinas na capela; depois ele torna a se deitar, mas semi-vestido, para estar pronto para se levantar assim que soe a hora da prima… Após a prima, a cada manhã, ao menos duas missas; uma breve, para os mortos, a outra cantada, que é a missa do dia. Durante a Quaresma, ele assiste uma terceira… Durante a jornada, algumas horas canônicas não podem faltar. Mesmo quando o rei cavalga, ele é acompanhado de seu capelão, e as horas são ditas a cavalo”.

Mas para além desses gestos de devoção e piedade esperados de um rei, aos seus contemporâneos Luís aparece como um homem que foi além: ele foi um rei que imitou Cristo. A bula de canonização vai se referir a isso. Luís imita Cristo no sofrimento. No século XIII as ordens mendicantes popularizam a prática da piedade através das obras de misericórdia. Para Luís, fé e devoção conjugam-se com obras. Uma prática comprovada por vários de seus biógrafos é o gesto de lavar os pés aos pobres e aos monges. Em várias ocasiões Luís realiza este gesto, imitando a humildade de Cristo. Quando pode, aos sábados, lava os pés de alguns anciãos, às escondidas, para evitar críticas. Depois os beija, dá-lhes dinheiro e os serve, ele mesmo, à mesa. “Quando São Luís está com os pobres, os seus gestos parecem pôr-se ao seu nível e apresentam-se como mais verdadeiros”. O cuidado e o carinho com que Luís cuida dos pobres beira ao extremo: “E se entre esses pobres havia um cego ou alguém que via mal, o rei bendito colocava-lhe o pedaço de pão diretamente na mão com as suas próprias mãos, ou então guiava a mão do pobre até a tigela e ensinava-lhe como devia pôr a mão na tigela; e ainda mais, quando havia um que via mal ou estava impedido, e havia peixe diante dele, o rei bendito pegava no pedaço de peixe, tirava-lhe cuidadosamente as espinhas com as suas mãos, depois molhava-o no molho e punha-o na boca do doente”.

Vítima de vários males físicos, Luís se solidariza com os mais fracos. O rei se preocupa com os cegos, e para eles manda construir um hospital em Paris. Dá muitas esmolas aos pobres, principalmente aos leprosos, a quem cuidava carinhosamente, dava de comer, beijava-lhes a mão. Seus biógrafos destacam o fato de que ele se levantava muito cedo, sem fazer ruído, para ir à Igreja, para rezar, o que obrigava seus guardas a também se levantarem cedo, alguns tendo que se vestir correndo pelo caminho, para alcançar o rei. Quando os monges vão construir a abadia de Royaumont, Luís os ajuda a carregar pedras, e obriga seus irmãos a fazerem o mesmo, embora estes não o façam de bom grado.

Luís também obriga aqueles que o servem, sejam marinheiros ou soldados, a ouvirem longos sermões, e a participarem de ofícios religiosos. Para impedir que seus soldados almoçassem nas tavernas da cidade, lugares mal afamados, de jogos, bebida e mulheres, oferece-lhes o almoço no próprio local de serviço, no refeitório do palácio, sem cobrar por isso. Ao contrário, continuando dando aos soldados a ajuda de custo a que tinham direito para comer fora. Alguns o fazem a contragosto, pois comendo no palácio, seriam obrigados a ouvir sermões durante a refeição. Para Luís as tavernas eram tão perigosas quanto os bordéis.

Algumas destas práticas causavam transtornos no meio em que vivia o rei. Luís era consciente de que seu comportamento piedoso não agradava a todos, e suscitavam inúmeras críticas. Uma das mais comuns era o fato de gastar muito com esmolas e com a construção de edifícios religiosos. Era claro, para os medievais, burgueses e nobres que o cercavam, que Luís não podia ultrapassar o limite do rei para o de sacerdote.

Uma forte crítica vinha daqueles que consideravam Luís como um refém dos colaboradores e conselheiros religiosos, principalmente dos franciscanos e dominicanos. Um episódio contado por seu biógrafo franciscano Guillerme de Saint-Pathus, demonstra bem a sua proximidade com o clero. Diz-se que uma mulher o abordou na saída do parlamento, e teria exclamado: “Só és rei dos frades menores e dos pregadores, dos padres e dos clérigos!”. A reação de Luís, segundo seu biógrafo, foi de calma. Concordou com a mulher, e disse que ela tinha razão, e que outro governaria melhor o reino. E pediu a seus soldados que dessem dinheiro a ela. O fato em si demonstra o quanto Luís prezava a companhia do clero, e como isso não era bem visto por alguns setores da sociedade.

 Sua devoção à Paixão

A posse de relíquias era prática comum na Idade Média. Devoção, prestígio, necessidade de proteção eram elementos que se misturavam na procura por relíquias cada vez mais preciosas. Luís tinha um apreço especial pelas relíquias da paixão de Jesus. Prova disso é um acontecimento envolvendo a relíquia do cravo de Jesus. Em 1232, quando a relíquia foi exposta para veneração dos fiéis na catedral de Saint Denis, acabou caindo do relicário e desapareceu. Seguiu-se uma comoção em todo o reino. Guilherme de Nagis relata o sentimento do rei e sua mãe: “O santo rei Luís e a rainha sua mãe, quando souberam da perda desse altíssimo tesouro e o que tinha acontecido ao santo cravo sob seu reinado, sentiram grande dor e disseram que notícia mais cruel não podia ter sido levada a eles nem lhes fizesse sofrer mais cruelmente”. Esta devoção era testemunhada publicamente na Sexta-Feira Santa: “A sua devoção à Cruz, especialmente na Sexta-Feira Santa, tem como momento forte a visita das igrejas ‘próximas do lugar onde se encontrava’: ia lá ‘descalço’, e depois, para a adoração da cruz, tirava o chapéu e a touca e avançava, de cabeça descoberta de joelhos, até à cruz, ‘beijava-a’, e por fim ‘punha-se inclinado para o chão com os braços abertos, como na cruz, durante todo o tempo em que a beijava, e diz-se que enquanto fazia isto chorava’”.

Nada, porém, supera o esforço para conseguir duas das relíquias mais preciosas para a cristandade: a coroa de espinhos de Jesus e o lenho da Santa Cruz. Luís adquire a coroa do Imperador de Constantinopla, Balduíno. Quando a coroa entra em território francês, em 1239, depois de uma longa viagem desde Constantinopla, o rei e seus irmãos vão ao seu encontro. Carregam o relicário às costas, em procissão, vestidos de túnica branca e descalços, em sinal de humildade e penitência. Os nobres também se associam aos príncipes, participando descalços da procissão. Seguem-se a aquisição do lenho da Cruz e de outras relíquias da Paixão, como a esponja e o ferro da santa lança. Para guardar as relíquias, Luís construiu um dos maiores tesouros da arte gótica: a Saint-Chapelle, capela privada do rei. A estas relíquias preciosas soma-se o travesseiro de São Francisco, enviado ao rei pelos frades de Assis, quando de sua coroação, em 1226.

O movimento cruzado tem sua legitimação nesta devoção às relíquias: as terras onde Cristo nasceu, viveu e morreu, estão em mãos infiéis, de pecadores. Jerusalém, a maior relíquia da cristandade, precisa ser libertada.

 Um rei paciente no sofrimento

Luís é um rei que, como cristão exemplar, suporta pacientemente os sofrimentos. E não são poucos. Ainda jovem, aos 28 anos, após a guerra contra os ingleses, começa a sofrer de febre terçã (uma espécie de malária). Em 1244, sofre com uma diarreia tão grave, que chegam a considerá-lo morto. Nesta ocasião faz o voto de partir em cruzada. As doenças o perseguem, sejam as crônicas, como a febre ocasionada pelo paludismo, sejam outras que surgem em várias ocasiões: erisipela, diarreia, escorbuto. Mas todos testemunham a paciência do rei frente aos sofrimentos. Joinville testemunhou os sofrimentos do rei durante a sétima cruzada. Segundo ele, o rei, quando prisioneiro dos muçulmanos, sofria de grave infecção intestinal. Estava muito pálido, “com os ossos da coluna todos tão pontudos e tão fraco que era preciso que um homem de sua criadagem o levasse para todas as suas necessidades… À noite desmaiou por várias vezes; e, por causa da forte disenteria que tinha, foi preciso cortar o fundilho de suas  ceroulas, tantas vezes ele descia para ir ao banheiro”. Na partida para a oitava cruzada, o rei estava tão fraco que provocou a indignação de seu amigo Joinville, com aqueles que o deixaram partir naquele estado. O rei mal podia caminhar, pela fraqueza: “ele não podia aguentar ir nem de carroça nem a cavalo. Sua fraqueza era tão grande que ele se resignou que eu o carregasse…”. Sua morte será causada pelo tifo. Mas Luís não é um rei triste. Le Goff afirma: “Talvez nisso também haja um traço de espiritualidade franciscana”.

Luís e o combate aos inimigos da Igreja

Uma das mais sérias ameaças à fé cristã na passagem do século XII para o século XIII foi a heresia cátara. Por ter seu centro principalmente na região de Albi, no sul da França, eram também chamados de Albigenses.  No auge do reinado de Luís, após o duro combate da Igreja, inclusive com a pregação de Santo Antônio e outros grandes nomes das Ordens mendicantes, a heresia cátara havia se enfraquecido, mas permanecia como uma ameaça. Luís, fiel aos ditames do IV Concílio do Latrão (1215), que determinava que os soberanos cristãos dessem combate à heresia, recomenda ao filho nos seus ensinamentos: “Persiga os hereges e as pessoas ruins de tua terra tanto quanto possas, pedindo como é necessário o sábio conselho das pessoas boas a fim de purgar assim a terra”. Na concepção medieval de colaboração entre Igreja e Estado, o soberano é o defensor da fé e a realeza é o braço secular da Igreja, que deve “caçar” e combater os hereges.

Em relação aos muçulmanos, o fato de se empenhar na realização de duas cruzadas exemplifica bem o quanto esta atividade era importante para Luís. Os muçulmanos eram, sobretudo, os infiéis, e deveriam ser convertidos. De um rei piedoso cristão, o mínimo que se esperava é que se empenhasse na defesa da fé frente ao islã. No entanto, em que pese a violência das cruzadas, em vários momentos, especificamente da primeira, Luís entra em diálogo com os muçulmanos. Algumas fontes afirmam que, durante sua prisão, surgiu um afeto e respeito mútuo entre o rei e o sultão que o mantinha prisioneiro. Outros autores relatam que os muçulmanos teriam pedido a Luís que se tornasse seu chefe. O biógrafo Godofredo de Beualieu, testemunha ocular da morte do rei, revela que, no momento extremo de sua agonia, umas das últimas palavras balbuciadas pelo rei foram de preocupação com a conversão dos muçulmanos: “tentemos, pelo amor de Deus, pregar e implantar a fé católica em Tunis. Òh como poderíamos enviar um pregador capaz a Tunis”, e teria citado um pregador que já havia pregado em Tunis, e se tornara conhecido do sultão.

A relação de Luís com os judeus é mais complexa. Antes de mais nada, não podemos julgar as relações entre cristãos e judeus na Idade Média a partir dos parâmetros contemporâneos de ecumenismo e tolerância, que são conquistas modernas. Luís age como os soberanos cristãos de seu tempo. Os judeus, embora sejam uma verdadeira religião, são considerados os “assassinos de Cristo”. Luís tomou medidas severas contra os mesmos, visando a “purificação do reino”, mas ao mesmo tempo os protegeu do abuso de extremistas. Também promoveu a conversão de vários deles, e foi padrinho de alguns judeus convertidos.

Outro perigo que rondava o Ocidente medieval era a ameaça tártara, representada pelos mongóis. Luís acalentava o sonho de aliar-se a eles para combater os muçulmanos. Depois de algumas expedições fracassadas, enviadas pelo papa, Luís enviou o dominicano André de Longjumeau, que também não obteve sucesso. Por fim, em 1253, foi enviado o franciscano Guilherme de Roubroek, que se aventurou até a Mongólia, ao Grande Khan, em Karakorum, no coração do reino mongol. Apesar da valiosa relação que o franciscano fez da vida e dos costumes mongóis, o resultado desta missão também foi efêmero. Finalmente, em 1264, uma embaixada de 24 mongóis, tendo à frente dois frades dominicanos como intérpretes, se apresentou em Paris, propondo ao rei uma aliança contra os muçulmanos da Síria. Também esta tentativa de aliança não frutificou.

O franciscanismo reformador de Luís de França

A proximidade de Luís com os franciscanos e dominicanos é-nos atestada por uma anedota, transmitida por seus biógrafos: “Godofredo de Beaulieu e Saint-Pathus afirmam que Luís quisera fazer-se dominicano ou franciscano, mas não soube decidir-se sobre as duas ordens, e a rainha Margarida (sua esposa) à qual teria manifestado a sua intenção de deixá-la para entrar no convento na altura em que fosse possível transmitir a coroa ao filho maior, tê-lo-ia dissuadido de tal propósito”. Embora contestado pelos historiadores modernos, este fato, relatado pelos biógrafos contemporâneos ao santo testemunham a proximidade de Luís, senão a simpatia de que gozavam diante dele os franciscanos e dominicanos. Mais séria é, no entanto, a afirmação de que ele teria desejado que seu segundo e terceiro filhos se tornassem frades, um dominicano, outro franciscano. Por outro lado, como já acenamos, os biógrafos são concordes sobre a crítica que se fazia no reino, à imagem de um rei manipulado pelos mendicantes, sendo ele mesmo, quase um frade sobre o trono.

O pesquisador Jean-Philippe Genet afirma que os dominicanos exerceram uma influência fundamental sobre o pensamento político de São Luís. A ideia de um rei como padrão de comportamento moral, um rei com a virtude da sabedoria, teria sido construída e seguida por Luís, seguindo os ditames dos sábios teólogos e filósofos dominicanos que dominavam a universidade de Paris, nos anos 1250-1280. Apesar de Le Goff afirmar que as  elocubrações filosófico-teológicas que fervilhavam na universidade de Paris não interessavam a Luís, o fato é que Luís se cercou de grandes nomes da intelectualidade de seu tempo, pensadores, filósofos e teólogos, principalmente franciscanos e dominicanos, que colaboraram na administração e ajudaram a dar uma determinada direção política ao reino. Le Goff afirma que havia em Paris “uma ‘academia política’ de São Luís cujo coração era o convento dos jacobinos, o célebre convento de Saint-Jacques dos dominicanos parisienses”. Vicente de Beauvais, dominicano, autor do Speculum Maius, a principal enciclopédia utilizada na Idade Média, era um de seus mais próximos colaboradores.

Podemos afirmar que dominicanos e franciscanos rivalizavam no papel de conselheiros do rei. Da parte dos franciscanos, porém, graças às pesquisas dos últimos anos, sabemos que Luís tinha um apreço particular pelos frades empenhados numa vivência mais radical dos ditames do Evangelho, que chegavam quase a se constituir uma “seita” dentro da Ordem franciscana. Referimo-nos, aqui, à proximidade de Luís com o movimento dos “Espirituais”. E nesse particular, um encontro vai causar profunda impressão no rei da França.

3. O encontro com frei Hugo de Digne

Em 1254, voltando do Oriente derrotado, após a morte da mãe, Luís ouve falar de frei Hugo de Digne, um frade franciscano da corrente dos espirituais, defensor das ideias de Joaquim de Fiore. Frei Hugo era um grande pregador, que arrebatava multidões. Em Hyères, Luís pediu para trazerem o frade à sua presença, pois queria ouvi-lo pregar. Ficou tão maravilhado que queria, a todo custo, que o frade se juntasse a seu séquito que retornava para Paris. Hugo se negou peremptoriamente. Acabou ficando apenas dois dias com Luís, mas este encontro marcou, a partir de então, a vida e o governo do rei. Hugo, segundo as palavras do biógrafo de Luís, Joinville, exortou ao rei que este “deveria se conduzir de acordo com seu povo”. No fim do sermão o frade afirmou que nunca tinha lido que um reino ou domínio se tivesse perdido ou passado a um outro senhor, “a não ser por vício de justiça”. E terminou: “Ora, que atente o rei, continuou, uma vez que vai para a França, que faça tanta justiça a seu povo que o povo assim conserve o amor de Deus, de tal maneira que Deus não lhe tire o reino de França com a vida”.

Depois de 1254, Luís assumiu um comportamento sempre mais austero. No dizer de seus biógrafos, passou “da simplicidade, à austeridade”. E este espírito passou à atuação política. Um sinal claro desta orientação foi a chamada “Grande Ordenação”, de dezembro de 1254. Trata-se de uma série de determinações legais que objetivavam reformar profundamente o governo do reino. Entre elas, destacam-se aquelas visando uma moralização da administração pública, para um governo justo (ético e não corrupto, diríamos hoje). Os oficiais do reino deveriam fazer justiça sem fazer distinção de pessoas. Não deveriam aceitar presentes, nem para suas mulheres ou filhos. Também em relação aos costumes e à moral eram promulgadas medidas severas: contra a blasfêmia, contra os jogos, contra a prostituição, contra a usura. No espírito da época, são emanadas também leis contra os judeus.

 Outros franciscanos influentes no “entourage” de Luís

O encontro e as palavras proféticas de Hugo de Digne certamente impressionaram profundamente o espírito de Luís, educado desde criança num ambiente de piedade, que favorecia uma mística religiosa e devocional, de busca de realizar, na terra, o reino de Deus. Mas já antes deste encontro o rei mantinha, em sua “entourage”, além dos dominicanos, religiosos franciscanos empenhados com a seriedade da reforma dos costumes. Um dos franciscanos mais próximos de Luís é o mestre da Universidade de Paris, Eudes de Rigaud.

Eudes era mestre regente do convento de Paris e mestre de teologia na universidade daquela cidade. Foi o sucessor de Jean de la Rochelle e de Alexandre de Hales, e foi mestre de São Boaventura. Eudes é um dos “Quatro Mestres”, que redigiram o comentário oficial da Regra franciscana, em 1242. Em 1248 foi nomeado arcebispo da diocese de Rouen, a mais importante da França, mas continuou fazendo parte do círculo dos amigos do rei, sendo um dos frades franciscanos mais íntimos de Luís: “Seu mais próximo conselheiro e amigo”, nas palavras de Le Goff.

Em 1255 ele celebrou o casamento da filha de Luís, Isabel. A partir de 1258 Eudes se encontra frequentemente na corte. Em novembro de 1258 presidiu a missa no aniversário de morte de Luís VIII, pai do rei. Os documentos testemunham vários encontros do rei com o arcebispo franciscano, em 1259 e 1260, quando da morte de seu herdeiro, o primogênito Luís. Em 1261 ele foi convidado a pregar na Saint-Chapelle. Sabe-se que, quando o rei estava na abadia de Royalmont, pedia que Eudes presidisse a celebração, como na festa de  Pentecostes de 1262. A presença de Eudes na corte se justifica também pelas missões diplomáticas que o rei lhe confiara, como o tratado entre a França e a Inglaterra, em 1259. Em 1264 Eudes tornou-se membro do Parlamento de Paris.

Destaque-se, no comportamento do arcebispo franciscano, seu espírito reformador e de combate aos abusos no clero regular e secular. Visitando incansavelmente todos os mosteiros, abadias e conventos masculinos e femininos de sua arquidiocese, Eudes conseguiu dar uma nova imagem à Igreja. Seus escritos somam mais de mil páginas, consistindo hoje num documento de valor inestimável para conhecermos a realidade da Igreja em uma região da França, no século XIII. Antes de morrer, Luís o designou um de seus executores testamentários. Eudes também tornou-se membro do Conselho de Regência encarregado de governar a França, sendo o primeiro membro  nomeado pelo rei Felipe III, sucessor de Luís, quando ainda se encontrava em Cartago, em outubro de 1270.

Ainda no campo intelectual, outro mestre franciscano de Paris muito próximo do rei é Gilberto de Tournai. Das poucas informações que nos chegaram sobre ele, sabemos que era mestre de teologia em Paris, amigo de São Boaventura e de Luís, e pregador de cruzadas. Escreveu várias obras de cunho pedagógico. Algumas dessas obras nasceram da amizade com o rei, como a Eruditio Regum et Principum (Educação dos reis e dos príncipes), uma coleção de três cartas escritas em 1259, endereçadas a Luís, versando sobre os princípios necessários ao bom governo dos príncipes. Depois de 1261, Gilberto abandonou a cátedra para viver uma vida de oração e contemplação. A pedido de Boaventura, participou do 2º. Concílio de Lião, em 1274, onde teria apresentado sua obra De Scandalis Ecclesiae.

Boaventura de Bagnoregio era um dos maiores pregadores da época, mestre da universidade de Paris até 1257, quando foi eleito Ministro Geral dos Franciscanos, também era admirado por Luís, que o convidava para pregar em sua presença. Boaventura pregou pelo menos dezenove vezes diante do rei.

A proximidade e intimidade entre Luís e os franciscanos mostra-se numa querela séria, que estourou na Universidade de Paris. Entre 1254 e 1257, alguns mestres seculares colocaram em questão o estilo de vida dos mendicantes, uma novidade que, segundo eles, ia contra o Direito Canônico, especificamente por causa do princípio mendicante e do ensino universitário e da pregação. O chefe dos seculares era Guilherme de Saint-Amour. Depois de uma acirrada polêmica, com a intervenção dos maiores mestres da época, Boaventura e Tomás de Aquino, entre outros, a Santa Sé reconheceu, por duas vezes, o direito dos frades. O rei Luís executou imediatamente as ordens em favor dos frades. Obrigou Saint-Amour a entregar seus cargos e benefícios, proibiu-o de pregar e ensinar, e o exilou da França.

Um encontro de Luís com os frades

Frei Salimbene de Parma, cronista medieval, é o responsável pela descrição de um dos mais belos quadros de convivência do rei Luís com os franciscanos. Salimbene viajou a Sens, na França, para participar do Capítulo Geral. Além das autoridades da Ordem, como o Ministro Geral João de Parma, chega ao local o rei da França, dirigindo-se em peregrinação para a cruzada. Salimbene descreve a cena da chegada do rei. Povo e religiosos se aglomeram à espera da chegada do rei. Em meio à multidão, perdido, porque se atrasara e os outros frades já tinham ido ao encontro do rei, encontra-se o franciscano Eudes de Rigaud, arcebispo de Rouen, que, mitra na cabeça e cajado à mão, gritava: “Onde está o rei? Onde está o rei?”. 

Salimbene passa a descrever o rei: “O rei era esbelto e delicado, magro e alto, tendo um rosto angelical e face simpática. E vinha à igreja dos Frades menores não na pompa régia, mas no hábito de peregrino, tendo uma sacola e bordão de peregrinação ao pescoço que decoravam muito bem as espáduas do rei. E vinha não a cavalo, mas a pé; e os seus irmãos de sangue, que eram três condes, […] seguiam-no em semelhante humildade e hábito. […] Na verdade, parecia mais um monge, quanto à devoção do coração, do que um cavaleiro, quanto às armas de guerra. E assim, entrando na igreja dos irmãos, tendo feito a genuflexão mui devotamente diante do altar, rezou. […] Em seguida, o rei disse, com voz bem clara que ninguém entrasse na sala do Capítulo, a não ser os cavaleiros, exceto os irmãos, aos quais ele queria falar. E quando estávamos reunidos no Capítulo, o rei começou a relatar seus atos, recomendando-se a si mesmo, aos irmãos e a rainha sua mãe, e toda sua comitiva; e, fazendo genuflexão com muita devoção, pediu as orações e os sufrágios dos irmãos”.

Frei João de Parma tomou a palavra e prometeu as orações da Ordem, devendo cada padre celebrar quatro missas pelo rei. Após o encontro, seguiu-se um lauto banquete, tudo às expensas do rei. Frei João de Parma, embora tendo lugar reservado ao lado do rei, preferiu sentar-se com os mais pobres.
No dia seguinte o rei retomou seu caminho em direção ao porto que o levaria para a Terra Santa. Mas ainda faria vários desvios, para visitar os eremitérios franciscanos pelo caminho, onde se punha em oração. De novo é frei Salimbene quem nos descreve uma destas visitas. Em Vézelay, no dia 21 de junho de 1248, o rei e seus três irmãos dirigiram-se ao convento dos frades, modesto e recém-construído. Entraram na igreja e, embora os frades lhes oferecessem bancos e cadeiras, o rei se senta no chão, na poeira, já que o piso da igreja ainda não estava pavimentado. Sentados todos no chão, em círculo em volta do rei, este lhes dirige a palavra e se recomenda às suas orações.

Conclusão

A infância do príncipe Luís foi marcada pela presença dos primeiros franciscanos que chegaram à França. Religiosos austeros, piedosos, penitentes, mas ao mesmo tempo plenamente inseridos nos centros urbanos que surgiam, cientes de suas labutas e ambiguidades cotidianas, seja na política, seja no mundo acadêmico ou eclesiástico-religioso.

Franciscanos e dominicanos influenciaram o modo de Luís impostar a política na França. Ambas as Ordens contavam com homens preparados, intelectuais e pensadores que dominavam as cátedras na universidade de Paris. Da parte especificamente franciscana, é interessante notar que Luís se cerca daqueles frades imbuídos de uma nova visão do modo de ser religioso e de impostar as relações com o mundo. O empenho nas reformas, a radicalidade de vida, o combate aos abusos, a visão alegórica, apocalíptica e milenarista, prospectando um mundo diferente, transformado pela radicalidade evangélica, marcam a vida destes homens. Mas não são monges, isolados nos eremitérios e mosteiros, distantes e alheios aos problemas humanos. Ao contrário, são religiosos empenhados em buscar respostas às grandes questões e desafios que aquele momento e aquela sociedade lhes propõem, vivenciando-as e conhecendo-as a partir de dentro.

 Le Goff afirma que “São Luís… entre os franciscanos estava inclinado a seguir os joaquimitas: mas ele se cerca daqueles que se impõem por sua influência na sociedade da segunda metade do século XIII, quer dizer, pessoas da Igreja que buscam antes de tudo achar um modus vivendi entre as novas seduções da vida, o desenvolvimento de uma economia de troca e empréstimo, e as necessidades da salvação. Pessoas partidárias tanto do compromisso religioso como do compromisso social, de uma evangelização da sociedade nova equilibrando o admissível e o inaceitável”.

Os franciscanos correspondem muito bem a esse novo modus vivendi: são homens de uma piedade e seriedade religiosa a toda prova, fautores da pobreza e da simplicidade, vivem nas cidades, e estão nos grandes centros de estudos, discutindo em pé de igualdade com os maiores pensadores de seu tempo, dando respostas pertinentes e eficazes aos desafios dos novos tempos. São homens que entendem as necessidades, a linguagem e os desafios das cidades. Encontram-se, com a mesma desenvoltura, nos mais simples e humildes tugúrios ou nos palácios e parlamentos dos reis. Homens preparados e capazes de corresponder às exigências dos espíritos mais sérios e preocupados em impostar uma política de governo que correspondesse aos desígnios de Deus. Mas, ao mesmo tempo, capazes de guiar os espíritos humanos nas árduas batalhas espirituais travadas dia a dia na busca da salvação da própria alma. Com os discípulos de Francisco de Assis, Luís de França aprendeu a cuidar bem da cidade dos homens, sem perder de vista a Cidade de Deus.

Na peregrinação em busca da salvação, a exemplo de Francisco de Assis, Luís seguiu os passos do Cristo da Paixão. Através da penitência, do sacrifício e da caridade para com o próximo, os pequenos e pobres, conseguiu atingir a meta. Na decisão de partir para a segunda cruzada, doente e enfraquecido, estava a certeza de que a derrota da primeira fora causada por sua culpa, por causa de seus pecados. Assim, a cruzada revela-se como uma via purgativa, de salvação e de conformação com o Cristo pobre e sofredor. A morte na cruzada é a conclusão ideal de sua vida.

As palavras dirigidas ao filho no seu Testamento Espiritual representam o ponto de chegada de uma vida pautada pela busca do bem comum, e pelo empenho pela própria salvação, seguindo as pegadas de Cristo: “Filho dileto, começo por querer ensinar-te a amar ao Senhor, teu Deus, com todo coração, com todas as forças, pois sem isto não há salvação… Guarda, meu filho, um coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos e, quanto puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos os benefícios que te foram dados por Deus, rende-lhe graças para te tornares digno de receber maiores. Em relação a teus súbditos, sê justo até o extremo da justiça, sem te desviares; e põe-te sempre de preferência  da parte do pobre mais do que do rico, até estares bem certo da verdade. Procura com empenho que todos os teus súditos sejam protegidos pela justiça e pela paz, principalmente as pessoas eclesiásticas e religiosas. Sê dedicado e obediente a nossa mãe, a Igreja Romana, ao Sumo Pontífice, como pai espiritual. Esforça-te por remover de teu país todo pecado, sobretudo o de blasfêmia e heresia. Ó filho muito amado, dou-te, enfim toda bênção que um pai pode dar ao filho e toda Trindade e todos os santos te guardem do mal. Que o Senhor te conceda a graça de fazer sua vontade de forma a ser servido e honrado por ti. E assim, depois desta vida, iremos juntos vê-lo, amá-lo e louvá-lo sem fim. Amém”.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Especial - São Luís IX, Rei da França - Padroeiro da Ordem Franciscana Secular


São Luís IX e os Franciscanos - (Parte II)


Frei Sandro Roberto da Costa, ofm



O ano do nascimento de Luís não nos é conhecido. Sabe-se que o dia 25 de abril de 1214 pode ter sido tanto a data de seu nascimento, como de seu batismo. O fato é que, com apenas doze anos, por causa da morte de Luís VIII, seu pai, o menino tem que assumir um dos tronos mais importantes do Ocidente. No dia 30 de novembro de 1226, menos de dois meses após a morte de Francisco de Assis, o pequeno Luís era sagrado rei, na cidade de Reims, na França, com o título de Luís IX. Até Luís atingir a maioridade, a rainha Branca de Castela, sua mãe, será a tutora do rei e regente do reino .


Na “geografia” espiritual do Ocidente medieval, a França destaca-se, por ser a “filha primogênita da Igreja”. Os monarcas franceses, por sua vez, em função da unção que recebem na cerimônia de consagração, com o óleo da “santa âmbula”, gozam de uma exclusividade sobre os demais reis europeus: são os reis mais cristãos da Europa, o rei da França é o “Rex Christianissimus”, o “Rei Cristianíssimo”.


Seguindo a tradição, o jovem príncipe foi educado, desde a mais tenra idade, dentro dos princípios cristãos, que também norteavam a vida de seus pais. Luís VIII era cognominado “Leão”, por sua bravura nos campos de batalha, mas também por sua firmeza no combate aos inimigos da fé, testemunhada principalmente no empenho para eliminar a heresia cátara no sul da França. Preocupados em dar uma boa formação religiosa e intelectual ao futuro rei, seus pais confiaram sua educação a preceptores de comprovado saber e fidelidade religiosa.


Sua mãe teve que enfrentar sérios desafios durante a minoridade do filho, até consolidar o poder. Nobres e opositores do reino argumentavam com a menoridade de Luís, e pelo fato de a regente ser uma mulher. A  Inglaterra aproveitou da ocasião para fazer valer seus direitos sobre territórios perdidos nos anos anteriores. Branca, todavia, soube mostrar seu valor, fazendo frente de modo corajoso e firme a todas as ameaças ao trono. Luís atingiu a maioridade aos dezenove ou vinte anos, em 25 de abril de 1234, e logo a seguir casou-se com Margarida de Provença. Sua mãe, no entanto, continuou ocupando uma posição de proeminência nas decisões mais importantes do reino.


Continua...

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Especial - São Luís IX, Rei da França - Padroeiro da Ordem Franciscana Secular



 São Luís IX e os Franciscanos - I

Frei Sandro Roberto da Costa, ofm

O século XIII é um dos mais fecundos na história da Idade Média. O surgimento das universidades testemunha a sede de saber e a efervescência do pensamento filosófico e teológico. A ebulição religiosa se traduz  na construção das magníficas catedrais, onde a fé transforma pedras em arte, beleza, e luz. 

No século XIII são fundadas também algumas das mais importantes Ordens religiosas da Igreja, os dominicanos e os franciscanos em particular, com seus respectivos santos: Francisco de Assis, Domingos de Gusmão, Antônio de Pádua, Clara de Assis, Boaventura, Tomás de Aquino, entre outros. 

Por outro lado, é um século marcado pela inquietude religiosa, pelo espocar das heresias, marcadamente em território francês, pela luta entre papado e império, pelo recrudescimento da inquisição, pela ameaça constante do islã, pelas cruzadas, e pelas lutas internas entre os reinos, que aos poucos vão configurando o espaço geográfico que mais tarde seria conhecido como Europa. 
A França ocupa um lugar de destaque neste cenário. Na passagem do século XII para o século XIII, seus monarcas estão entre os mais célebres e respeitados do Ocidente.

Um dos pressupostos da história é a capacidade de fazer “memória”, de tornar vivo e presente fatos, personagens e acontecimentos que, de outro modo, seriam relegados ao baú do eterno esquecimento. No presente artigo, nosso objetivo é fazer memória da vida de Luís de França. 

Queremos conhecer um pouco mais sobre este personagem medieval, leigo, homem de governo, pai de família, cristão fiel. 
Queremos fazer isso nos questionando sobre o papel desempenhado pelos frades franciscanos em sua vida, suas mútuas relações e interações, que o fizeram ser alçado ao posto de Patrono da Ordem Franciscana Secular.

Apresentar um texto a respeito de um personagem que viveu há oitocentos anos atrás, sobre o qual, aparentemente tudo já foi dito, pode parecer uma temeridade. Temeroso também é se aventurar a retratar a vida de um sujeito histórico envolto em polêmicas, fruto, em alguns casos, de uma compreensão descontextualizada de sua vida, de seu tempo e da própria história. 

Mesmo assim, dados os múltiplos contextos e as múltiplas relações nas quais esteve envolvido este soberano medieval, acreditamos que seja possível apresentar alguns enfoques particulares, que lancem luzes sobre alguns aspectos de sua vida, e que podem, ao mesmo tempo, iluminar a história que estamos vivendo, escrevendo e construindo. 

Por isso, não vamos nos ocupar exaustivamente da vida de São Luís. Embora façamos um breve sobrevoo sobre sua biografia, seus feitos em geral, nosso foco é específico: a influência do movimento franciscano na vida de Luís IX.    

  
Continua...

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Artigo - Clara e Francisco, os dois se encontram num mesmo caminho de Amor



POR FREI VITORIO MAZZUCO.

Clara de Assis deu uma resposta pessoal ao Senhor de um modo muito livre. Teve a ajuda primeira de sua mãe, Hortolana, que a iniciou nos caminhos da oração e das obras. O processo de Canonização, a partir dos testemunhos de Pedro de Damião, diz que ela “cultivava a vida espiritual” (PC 19,2); e João Ventura depões dizendo que Clara “jejuava e permanecia em oração e praticava outras obras piedosas, como ele próprio pôde observar. E todos estavam persuadidos de que era o Espírito Santo que a inspirava” (PC 20,5). A Irmã Pacífica confirma: "Por todos era conhecida como pessoa de grande honestidade, de vida exemplar e se ocupava muito em obras de caridade” (PC 1,1).

Clara de Assis fez os caminhos costumeiros de exercícios de conversão, isto é, oração, jejum, obras de misericórdia, retidão moral e o deixar-se conduzir pelo Espírito do Senhor. Isso faz de Clara de Assis uma pessoa que é percebida pelas suas virtudes. A Irmã Benvinda de Perúsia afirma “que a consideravam virgem de corpo e alma e que, mesmo antes de entrar na religião, era tida em muita estima por todos os que a conheciam” (PC 2,2). Ver em Clara a bondade, honra, humildade e virgindade não são apenas dados morais e físico, mas sim as marcas de uma força interior de uma mulher que desposa Jesus Cristo, no máximo de sua Pobreza. Viver a Pobreza é um ato de extrema confiança, entrega e abandono ao tudo do Amor e a não precisar de nada por causa deste Amor.

Clara de Assis pertence ao seu Senhor de um modo total e, por isso, faz de si um dom para todos. Sua fama em Assis está no fato de ser uma mulher exemplar para todos. “A fama pública na cidade considera-a por isso uma jovem irrepreensível e digna de estima. O eco destas considerações terá chegado, sem dúvida, até à interessada, sem porém influenciar o seu modo de ser, continuando sempre benigna e humilde para com todos. O seu caráter pessoal, que a fazia centrar em Deus a própria vida, dá-lhe forças para Lhe consagrar a sua vontade e deixa-a, ao mesmo tempo, interiormente aberta para descobrir onde e como realizar em si o desígnio do Pai”. (Cremaschi, "Chiara Giovanna, Clara de Assis, Um silêncio que grita", Editorial Franciscana, Braga, p.37).

Em Assis a notícia corrente é a impactante conversão de Francisco, filho de Pedro Bernardone, que rompe com tudo e inicia um original caminho de vivência radical do Evangelho. Clara de Assis se une ao momento social, eclesial e espiritual de Assis. Não há como sentir que Francisco instaura um novo sentido de fraternidade, pobreza extrema e vivência junto aos marginalizados de então. O jovem Rufino, primo de Clara, já está com Francisco pelas ruas e estradas de Assis anunciando a paz. Os dois pregam na catedral de Assis. Ao ouvir Francisco, Clara está em plena sintonia de coração e palavra. Clara e Francisco já não estão mais presos ao mundo das convenções sociais. Francisco ainda é visto com desconfiança pelos habitantes de Assis que o considera uma pessoa fora do juízo. Mas o que questionar em Clara?

A silenciosa e discreta moça nem aos seus parentes revela seus planos de seguir o Esposo. Mas vai até Francisco contar seus segredos. Acompanhada de sua amiga e governanta Bona Gelfuccio, vai encontrar-se com ele. Francisco a recebe acompanhado de um de seus irmãos, Filipe Longo. A conversa gira em torno da contagiante alegria espiritual do seguimento apaixonado do Senhor, de pertencer ao caminho da Pobreza total, de trocar as experiências do mesmo desejo que fazem vibrar a interioridade.

Irmã Beatriz diz no processo: “Conhecendo São Francisco a fama da sua santidade, encontrou-se com ela várias vezes para lhe falar do Evangelho” (PC 12,2). Quem procurou quem? Não sabemos com certeza. Almas profundas de humanidade, amor e divindade se acham naturalmente. Um encontrou o outro. Francisco encontrou São Damião e reconstruiu o lugar da inspiração; mas lá não deixou os seus irmãos. Porém, após reconstruir São Damião ali deixou Clara. Ele sabia que Clara daria o brilho definitivo ao lugar. Clara é tão segura que se inspira numa experiência concreta. Diz a obra acima citada: “Enfim, a jovem faz-se discípula deste jovem convertido, para viver o santo Evangelho numa forma de vida semelhante à sua. O que a palavra e o testemunho de Francisco fazem penetrar no seu íntimo está em admirável sintonia com quando o Espírito lhe sugeria interiormente” (Cremaschi, p. 39).

Clara tem uma opção própria, mas se apoia numa experiência concreta já iniciada por Francisco.  O Amado é o Amor amado por ambos. Os dois se encontram num mesmo caminho de Amor.



Santo Franciscano do dia - 21/08 - São Pio X


Papa da Terceira Ordem (1835-1914). Canonizado por Pio XII no dia 29 de maio de 1954. 

Giuseppe Sarto, assim era o seu nome, nasceu em Riese (Treviso), em 1835, em uma família de camponeses. Depois de estudar no Seminário de Pádua, foi ordenado sacerdote aos 23 anos. No começo, foi vigário em Tombolo, após pároco em Salzano, depois cônego da catedral de Treviso, com o encargo de chanceler episcopal e diretor espiritual do Seminário Diocesano. Nestes anos de rica e generosa experiência pastoral, o futuro Pontífice mostrou aquele profundo amor a Cristo e à Igreja, aquela humildade e simplicidade e aquela grande caridade com relação aos mais necessitados, que foram características de toda a sua vida. Inscreveu-se na Ordem Terceira de São Francisco e do humilde e pobre Santo de Assis quis aprender mais profundamente as virtudes que sempre queria em seu coração.

Em 1884, foi nomeado Bispo de Mântua e, em 1893, Patriarca de Veneza. Em 4 de agosto de 1903, foi eleito Papa, ministério que aceitou com hesitação, porque não se considerava digno de uma tarefa assim tão alta.

O pontificado de São Pio X deixou um sinal indelével na história da Igreja e foi caracterizado por um notável esforço de reforma, sintetizado no seu lema Instaurare omnia in Christo (Renovar todas as coisas em Cristo). Suas intervenções, de fato, envolveram os diversos ambientes eclesiais. Desde o início, dedicou-se à reorganização da Cúria Romana; após, deu início aos trabalhos para a redação do Código de Direito Canônico, promulgado pelo seu Sucessor, Bento XV. Promoveu, em seguida, a revisão dos estudos e do “iter” (processo) de formação dos futuros sacerdotes, fundando também vários Seminários regionais, equipados com boas bibliotecas e professores preparados.

 Outro setor importante foi aquele da formação doutrinal do Povo de Deus. Desde os anos em que era pároco, havia escrito ele próprio um catecismo e, durante o episcopado em Mântua, trabalhou a fim de se chegasse a um catecismo único, se não universal, pelo menos italiano. Como autêntico pastor, havia entendido que a situação da época, também devido ao fenômeno da emigração, tornava necessário um catecismo a que todos os fiéis pudessem recorrer independentemente do local e das circunstâncias da vida. Como Pontífice, preparou um texto de doutrina cristã para a Diocese de Roma, que se difundiu depois por toda a Itália e no mundo. Esse Catecismo é chamado “de Pio X” e foi, para muitos, um guia seguro no aprender as verdades da fé através de uma linguagem simples, clara e precisa, com eficácia positiva.

Notável atenção dedicou à reforma da Liturgia, em particular da música sacra, para conduzir os fiéis a uma mais profunda vida de oração e a uma mais plena participação nos Sacramentos. No Motu Proprio Tra le sollecitudini (1903, primeiro ano de seu pontificado), ele afirma que o verdadeiro espírito cristão tem a sua primeira e indispensável fonte na participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja (cf. ASS 36 [1903], 531).
Por isso, recomendou a recorrência frequente aos sacramentos, favorecendo a frequência cotidiana à Santa Comunhão, bem preparados, e antecipando oportunamente a Primeira Comunhão das crianças para em torno de sete anos de idade, “quando a criança começa a raciocinar” (cf. Sagrada Congregação De Sacramentis, Decretum Quam singulari: AAS 2 [1910], 582).

Fiel à missão de confirmar os irmãos na fé, São Pio X, frente a algumas tendências que se manifestaram no contexto teológico no final do século XIX e início do século XX, interveio decisivamente, condenando o “Modernismo”, para defender os fiéis das concepções errôneas e promover um aprofundamento científico da Revelação em consonância com a Tradição da Igreja. Em 7 de maio de 1909, com a Carta Apostólica Vinea electa, fundou o Pontifício Instituto Bíblico. Os últimos meses de sua vida foram marcados pelos clarões da guerra. O apelo aos católicos do mundo, lançado em 2 de agosto de 1914 para expressar “a amargura” do momento presente, foi o grito sofredor do pai que vê os filhos se colocarem uns contra os outros. Morreu pouco tempo depois, em 20 de agosto, e a sua fama de santidade começou a se espalhar rapidamente entre o povo cristão.

Queridos irmãos e irmãs, São Pio X ensina a nós todos que a base da nossa ação apostólica, nos vários campos em que atuamos, sempre deve ser uma íntima união pessoal com Cristo, a se cultivar e crescer dia após dia. Esse é o núcleo de todo o seu ensinamento, de todo o seu compromisso pastoral. Somente se estamos enamorados pelo Senhor seremos capazes de levar os homens a Deus e apresentá-los a Seu amor misericordioso, e, assim, apresentar o mundo à misericórdia de Deus.

No dia 20 de agosto de 1914, aos setenta e nove anos, Pio X morreu. O povo, de imediato, passou a venerá-lo como um santo. Mas só em 1954 ele foi oficialmente canonizado.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Santa franciscana do dia - 17/08 - Santa Beatriz da Silva



Virgem religiosa da Segunda Ordem (1424-1490). Fundadora das Monjas Concepcionistas Franciscanas, canonizada por Paulo VI no dia 3 de outubro de 1976.

Dona Beatriz da Silva nasceu na vila de Campo Maior, em Portugal, por volta de 1437. Ela foi da linhagem dos reis de Portugal, filha de Rui Gomes da Silva, alcaide-mor de Campo Maior, e de sua mulher dona Isabel de Meneses, filha natural de dom Pedro de Meneses, 1.º conde de Vila Real e 2.º conde de Viana do Alentejo. Teve pelo menos doze irmãos: Pedro Gomes da Silva (alcaide-mor de Campo Maior); Fernando da Silva de Meneses (alcaide-mor de Alter do Chão), dom Diogo da Silva de Meneses (aio do rei dom Manuel de Portugal, que o fez 1.º conde de Portalegre e senhor de Gouveia), Afonso Teles (alcaide-mor de Campo Maior), João de Meneses (chamado frei Amadeu Hispano ou Beato Amadeu, secretário e confessor do papa Sisto IV, e fundador da Congregação dos Amadeítas, da Ordem de São Francisco), Aires da Silva (cavaleiro em Ceuta, falecido com fama de santo de e mártir), dona Branca da Silva (donzela da corte régia), dona Guiomar de Meneses, dona Maria de Meneses (donzela da rainha dona Isabel, mulher do rei dom Afonso V de Portugal), dona Mécia de Meneses (donzela da infanta dona Joana, mulher do rei dom Henrique IV de Castela), dona Leonor de Meneses (donzela de Santa Joana Princesa) e dona Catarina de Meneses.

Ainda pequena, dona Beatriz da Silva partiu para a corte régia de Castela, em 1447, como donzela da rainha Isabel, segunda mulher do rei João II de Castela. A presença de dona Beatriz na corte não passou despercebida. Sua formosura cativante encantou a todos. A rainha, dominada por uma mistura de ciúme e inveja, fechou dona Beatriz em um cofre, mas uma invisível proteção da Virgem Maria a salvou. Após este triste episódio deixa Tordesilhas, onde a corte régia então estava instalada, e vai para Toledo, onde se recolheu no Mosteiro de São Domingos, o Real, de monjas dominicanas. Por devoção, decidiu manter sempre seu rosto coberto com um véu branco, de forma que, enquanto viveu, nenhum homem e nenhuma mulher viu seu rosto. Permanece neste mosteiro por cerca de 30 anos.

Em 1484, a rainha dona Isabel, a católica, doa-lhe os Palácios de Galiana onde existia uma Igreja antiga que tinha o nome de Santa Fé. Dona Beatriz, passada a esta casa, começou a adaptá-la para a forma de mosteiro. Levou consigo dona Filipa da Silva, sua sobrinha e outras onze mulheres, todas de hábito religioso e honesto embora não pertencessem a Ordem alguma. E, uma vez instalada na nova casa, querendo dar fim à sua determinação, estabeleceu a maneira de viver que queria e enviou-a a Roma, numa súplica conjunta com a rainha. Foi tudo aprovado e outorgado pelo Papa Inocêncio VIII pela bula “Inter Universa” em 1489. O Mosteiro já estava fundado e tudo já fora preparado para entregar o hábito a ela e às monjas que ela havia instruído, quando Nosso Senhor quis chamá-la. Morreu no ano de 1492. 

Na hora de sua morte, foram vistas duas coisas maravilhosas. Uma foi que, quando lhe levantaram o véu para administrar-lhe a unção foi tal o esplendor de seu rosto que todos ficaram admirados. A segunda, foi que em sua fronte viram uma estrela, que lá ficou até que ela expirou, e que emitia uma luz e um esplendor igual à luz quando mais brilha. Faleceu com fama de santidade.

Em 1511 o Papa Júlio II atribui à ordem nascente Regra Própria.

Dona Beatriz foi beatificada pelo Papa Pio XI em 26 de julho de 1926 e solenemente canonizada em 03 de outubro de 1976 pelo Papa Paulo VI. Sua Festa é celebrada no dia 17 de agosto.

Santa Beatriz da Silva se destacou por sua fé inquebrantável, por sua pureza, que lhe permitiu ser Lírio Alvíssimo escondida no coração de Jesus no Canteiro da Imaculada, por sua paciência alicerçada na esperança, por sua caridade, por sua simplicidade, pobreza, humildade, generosidade em oferecer um perdão sincero, enfim, adornada de todas as virtudes indica-nos o caminho mais curto, fácil e seguro para chegar a Cristo: Maria.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Novena de Santa Clara de Assis - Santa Clara e a sua benção.




Oração inicial (para todos os dias da novena)

Amável Santa Clara, que respondestes generosamente ao chamado do Senhor, ajudai-nos a alcançar a graça e a coragem de dizer um sim decidido ao plano de Deus para a nossa existência.
Vós que abandonastes a riqueza e vos fizestes humilde para seguir o Cristo pobre e crucificado, ensinai-nos a simplicidade, a justiça, a partilha, e abri nosso coração aos pobres e marginalizados.
Mulher terna e corajosa, mostrai-nos que é possível realizar o sonho da fraternidade universal, ensinai-nos a reverencia para com todas as pessoas, culturas e povos.
Vós que partilhastes com São Francisco uma amizade profunda, fazei com que nós, mulheres e homens, possamos desabrochar, no amor e na reciprocidade, todas as nossas capacidades a serviço da vida em abundancia.
Vós que inaugurastes uma nova forma de viver a igreja, na sociedade, clareai nossos caminhos para vencermos as estruturas de pecado e sermos capazes de fazer do mundo em que vivemos verdadeira terra de irmãos e irmãs. Amém!


Santa Clara preocupava-se com o cultivo da vida fraterna entre as suas irmãs. Sua benção quer confirmar sua família religiosa na vivência e convivência fraterna e no amor mútuo. A benção se constitui numa oração para perseverar na fidelidade, na fraternidade e no bem até o fim. Diz ela:

“E as abençoo em minha vida e depois da minha morte, como posso, com todas as bençãos, com que o Pai das misericórdias abençoou e abençoará seus filhos e filhas, no céu e na terra, e com as quais um pai e uma mãe espiritual abençoaram e abençoarão seus filhos e filhas espirituais, amém. Amem sempre as suas almas e as de todas as suas irmãs, e sejam solícitas na observância do que prometeram. O Senhor esteja sempre com vocês e oxalá estejam vocês sempre com Ele. Amém!”

Benção significa bem-dizer, ou seja, abençoar. A benção é reservada a todos os que lutam, perseveram e procuram ser fiéis.

Santa Clara, por sua vida, não só atraiu as bênçãos sobre si, como também sobre sua comunidade, sua cidade e sobre o mundo todo. E na medida em que nós vivemos o projeto de Deus, realizando a vontade do Pai, estaremos atraindo as bênçãos do céu sobre nós e nosso lar, sobre nossa comunidade e sociedade e sobre todos os homens e mulheres de boa vontade.

Oremos: No final desta novena em vosso louvor vos pedimos que nos abençoeis lá do céu, para seguirmos fiéis aqui na terra, vivendo como irmãos e irmãs, amando-nos sempre mais, construindo entre nós a comunhão de vida e perseverando no bem até o fim. Amém!

Fonte: Novena de Santa Clara, De Frei Atílio Abati, OFM . Editora Vozes, 1997

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Novena de Santa Clara de Assis - Santa Clara e a vida nova.




Oração inicial (para todos os dias da novena)

Amável Santa Clara, que respondestes generosamente ao chamado do Senhor, ajudai-nos a alcançar a graça e a coragem de dizer um sim decidido ao plano de Deus para a nossa existência.
Vós que abandonastes a riqueza e vos fizestes humilde para seguir o Cristo pobre e crucificado, ensinai-nos a simplicidade, a justiça, a partilha, e abri nosso coração aos pobres e marginalizados.
Mulher terna e corajosa, mostrai-nos que é possível realizar o sonho da fraternidade universal, ensinai-nos a reverencia para com todas as pessoas, culturas e povos.

Vós que partilhastes com São Francisco uma amizade profunda, fazei com que nós, mulheres e homens, possamos desabrochar, no amor e na reciprocidade, todas as nossas capacidades a serviço da vida em abundancia.

Vós que inaugurastes uma nova forma de viver a igreja, na sociedade, clareai nossos caminhos para vencermos as estruturas de pecado e sermos capazes de fazer do mundo em que vivemos verdadeira terra de irmãos e irmãs. Amém!

Santa Clara, em seu testamento, insiste na fidelidade ao projeto de vida escolhido e assumido, para levar cada irmã à transformação interior e uma contínua conversão de vida. Assim escreve:

“No Senhor Jesus Cristo, aconselho e admoesto todas as irmãs, presentes e futuras, a que sempre se empenhem em seguir o caminho da santa humildade, simplicidade e pobreza e viver honesta e santamente, como aprendemos de nosso Pai São Francisco, desde o início de nossa conversão a Cristo. Assim sempre seja manifesto ao nosso redor e até mais distante o bom odor desta vida, não por nossos méritos, mas apenas pela generosidade da graça do divino Doador e Pai de toda a misericórdia”

Santa Clara, em sua condição humana fez a experiência das limitações, mas na sua confiança num Deus que ama e perdoa, impunha-se sobre toda a miséria e fragilidade, inerentes à toda criatura humana.

Apesar de nossas recaídas constantes, a exemplo de Santa Clara de Assis, confiemos na bondade divina que é muito maior que nossas fraquezas. A vontade do Pai é que ninguém se perca, mas cheguemos todos à pátria definitiva, o céu.

Oremos: Ensinai-nos a ter uma vida de profunda união com Deus, trilhando sempre o caminho do bem. Ajudai-nos a sermos vigilantes para que na animação da vida não sejamos surpreendidos pelas nossas fraquezas, mas tenhamos coragem e força de perseverarmos no bem até o fim. Amém!

Fonte: Novena de Santa Clara, De Frei Atílio Abati, OFM . Editora Vozes, 1997