Frei Almir Guimarães
Preste atenção no princípio do espelho: a pobreza daquele que, envolto em panos foi posto no presépio! Admirável humildade, estupenda pobreza! O Rei dos anjos repousa numa manjedoura. No meio do espelho considere a humildade, ou pelo menos a bem-aventurada pobreza, as fadigas sem conta e as penas que suportou pela redenção do gênero humano. E, no fim desse mesmo espelho, contemple a caridade inefável com que quis padecer no lenho da cruz e nela morrer a morte mais vergonhosa (4ª. Carta a Inês de Praga).
Cada geração é salva pelo santo que a contradiz (Chesterton).
Dou graças ao Senhor por todas as vezes que, exatamente junto a um mosteiro, desde frade jovem pude fazer a experiência de “cura” recolocando em ordem harmoniosa os valores evangélicos de minha vocação e missão, graças à ajuda das irmãs clarissas. Muitas vezes pedi hospitalidade em seus mosteiros para dar novo tom espiritual à minha vida. Obrigado a todas vós, irmãs clarissas, por esta função “terapêutica” tão importante para a caminhada vocacional de uma pessoa consagrada (Fr. Giacomo Bini, OFM, Ex- Ministro Geral).


















Concluindo
A. Clara viveu a aventura de Deus. Entregou-se nas mãos do Senhor. Saiu de casa sem o mapa do caminho. Entregou-se sem reservas à maneira de Abraão. Ele quer que hoje questionemos o “nosso ponto” de partida, a vivência de nossa vocação que haverá de fazer numa entrega irrestrita ao Senhor dentro das condições de seculares que são os terceiros franciscanos e de religiosos que são os frades. Por sua vida, Clara grita esse testemunho. Não somos donos de nós. Que o Senhor possa fazer uma obra de arte em cada um de nós! As coisas não estão acabadas.
B. Os franciscanos, sejam eles quais forem, são pessoas despojadas, sem trunfos, sem exigências, sem reivindicações na linha do poder, do prestígio, do ter. Clara e as irmãs de São Damião viviam em total simplicidade e modéstia, viviam de esmolas e, nos começos, as pessoas não eram generosas nas esmolas. Casa modesta, cama modesta, comida modesta, muitas vezes vida de penúria. Clara ensina os franciscanos da Ordem 1ª a levar a sério o compromisso de pobreza evangélica. Sugere que as Fraternidades Seculares sejam constituídas de pessoas simples, sem pose, sem pompas. Gente que não dá importância às aparências, aos aplausos e todo tipo de superioridade, gente com um estilo de vida pobre. Muitas irmãs clarissas, em nossos dias, vivem realmente a pobreza e espelham a alegria de terem pouca bagagem na caminhada da vida.
C. Ser franciscano é ser cultivador da fraternidade. Desafio constante. Nunca matamos completamente o Caim que existe em nós. Vemos Clara cuidando das irmãs, cobrindo-as no tempo do inverno, acolhendo com carinho as que saíam para esmolar, sendo mãe e irmã. Tudo se passa no exíguo espaço dos lugares de São Damião. O nome verdadeiro das clarissas é o de irmãs pobres. O exemplo de Clara e as observações de sua Regra pedem que nos interessemos mais uns pelos outros, que preparemos cuidadosamente nossos encontros fraternos. Os franciscanos seculares, no momento atual, estão empenhados e rever a qualidade de sua vida fraterna e, de modo particular, a maneira como realizam os encontros fraternos. Clara grita que precisamos viver o bem-querer concreto.
D. A grande atividade de Clara e de suas irmãs era a da oração: ofício, missa, longas horas de meditação, contemplação da Paixão de Jesus e do Crucifixo bizantino. Clara, como Francisco, pede que as irmãs, no meio de seus trabalhos, não venham a perder o espírito da santa oração. As cartas dirigidas a Inês de Praga nos falam de uma oração de união. Os franciscanos, tanto os seculares quanto os da Ordem 1ª, gostam de passar um tempo junto ao mosteiro das clarissas. Clara está gritando que toda esse nossa correria, esses discursos e essa nossa fala pouco adiantam. Sentimos que precisamos rever a qualidade de nossa oração. Não é possível viver sem saudades do Senhor. Precisa haver lugar em nossas agendas a tentativa, nem sempre fácil, de buscar o Esposo que não quer partes de nós mas a inteireza de nosso ser.
E. Os Mosteiros de clarissas serão cada vez mais próximos das pessoas, sem que percam o essencial o carisma. Suas liturgias serão eloquentes. Momentos de oração e tarde de retiro podem ser feitos em nossos Mosteiros. Franciscano seculares poderiam melhor haurir as riquezas desses Mosteiros.
F. De toda nossa reflexão ficou claro que os franciscanos e as clarissas precisarão descobrir caminhos novos a serem trilhados. Não cansamos de repetir que se torna urgente uma fidelidade criativa. Renovar ou morrer.
G. “Hoje somos vítimas de tensões, do estresse e da depressão que ameaçam nossa ‘saúde’ espiritual. Talvez uma das tarefas de Santa Clara poderia ser a de ajudar-nos a reencontrar a harmonia dos valores franciscano-clarianos, a gratuidade e a beleza de nossa vida, sem pretensões de eficiência. É fácil sermos instrumentalizados pelas necessidades imediatas e perdermos a visão de conjunto, a capacidade de discernir aquilo que é urgente, daquilo que é necessário; preocupamo-nos com muitos projetos que programamos ou que nos são propostos pelo mundo consumista em que vivemos e corremos o risco de esquecer o compromisso primário de ser “projeto de Deus”. Creio que seja urgente, hoje, renovar e continuar a colaboração entre Clara e Francisco para evitar toda forma de “insânia”, de “esquizofrenia” que destrói a própria vida consagrada” (Frei Giacomo Bini, OFM).
Clara não reivindicou para ela e suas irmãs o direito de pregar ou ensinar, mas desejava ardentemente continuar vivendo em simbiose com os irmãos menores e recusava a ideia de ver a sua comunidade transformar-se em um mosteiro de virgens reclusas e dotadas de rendas; se parece não ter tido dificuldade em aceitar a estabilidade e a clausura, à semelhança das reclusas, que, aos mesmo tempo que se dedicavam à contemplação, guardavam contato como mundo que as rodeava, Clara sempre recusou ceder no capítulo da pobreza, porque o fato de viver numa precariedade permanente constituía o ponto sobre o qual a sua fundação podia, diferenciando-se do monarquismo beneditino clássico, permanecer fiel ao Espírito do Poverello e, através dele, com as aspirações evangélicas que haviam animado os movimentos leigos do século XI e começos do século XIII.
André Vauchez
Santa Clara y los movimientos
religiosos femininos de su tiempo
Selleciones de Franciscanismo, 1977, vol 26, p. 452
Fonte : http://www.franciscanos.org.br
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