sexta-feira, 22 de junho de 2018

Franciscanos seculares celebram 40º aniversário da Regra de Vida neste domingo.



Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

 Ela é conhecida como Regra Paulina. Paulo VI, esse papa gigante, aprovou o projeto de vida evangélico-franciscana da Ordem Franciscana Secular. O documento tem a data de 24 de junho de 1978. Depois da abertura das janelas da Igreja para o vento novo do Vaticano II, os responsáveis pela Ordem Terceira Franciscana decidiram promover encontros e reuniões com participantes de todo o mundo para a preparação do documento. No processo de elaboração da Regra, o Brasil se fez representar pela figura veneranda de nosso irmão Paulo Machado da Costa e Silva, hoje com 101 anos, vivendo em Itaipava, no município de Petrópolis. Não é aqui e agora o intuito destas linhas de examinar pormenorizadamente todos os tópicos deste documento, que, apesar de seus quarenta anos de vida, ainda não foi suficientemente assimilado pelos franciscanos da 1ª como da 3ª Ordem. As linhas que se seguem constituem, antes de tudo, expressões de um frade menor que, por muitos anos, vibrou com a Ordem dos Leigos. Limitar-nos-emos a chamar atenção para um ou outro aspecto.

 Antes de mais nada é preciso atentar para o próprio nome. Dizíamos Ordem Terceira Franciscana (OTF). Durante muito tempo valorizou-se o aspecto místico devocional. No tempo de Francisco, no entanto, os irmãos da 3ª Ordem eram tidos como pessoas diferentes, que viviam o caminho da penitência e não pegavam em armas. Em alguns lugares, talvez com o tempo, algumas pessoas que ingressavam nessas fileiras buscavam uma associação piedosa que se vestia das cores franciscanas e que as ajudava a viver no mundo quase de passagem. Fuga do mundo? Uma associação que tivesse muitas cores da Ordem. Não sejamos injustos em nossos julgamentos. Certo, no entanto, que a inclusão desse adjetivo “secular” é de fundamental importância. Os “terceiros” constituem um grupo de cristãos que deseja viver a fé no mundo, no século. Não se trata de viver no mundo de todo dia e fugindo do mesmo mundo. Trata-se de amar esse mundo e de nele atingir a perfeição da caridade.


 Nesta altura de nossa reflexão cabe transcrever um tópico fundamental para a compreensão do projeto de vida aprovado pelo Papa Paulo VI em 1978: “No seio da Família Franciscana ocupa posição específica a Ordem Franciscana Secular que se configura como uma união orgânica de todas as fraternidades católicas espalhadas pelo mundo e abertas a todos os grupos de fiéis. Nelas, os irmãos e as irmãs, impulsionados pelo Espírito a atingir a perfeição na caridade no próprio estado secular, são empenhados pela profissão a viver o Evangelho à maneira de São Francisco e mediante esta Regra aprovada pela Igreja”.

 Leigos, fiéis cristãos leigos, homens e mulheres do século XXI, casados, solteiros, viúvos, intelectuais, costureiros, carteiros, merendeiras, deputados, médicas, sadios e doentes, jovens e idosos. Leigos, pessoas que vivem no mundo, no século, nas coisas de todos os dias. Não seres que buscam refúgio à sombra do Seráfico Pai. Pessoas felizes por seu casamento, a união carinhosa de marido e mulher, a paternidade e a maternidade, a profissão exercida. Pessoas que escutaram a voz do Senhor no paraíso: “Crescei e dominai a face da terra!” Repito, insisto: leigos que gostam de sua secularidade. Leigos que não têm nostalgia secreta de vestir um hábito e ficarem fazendo sermões em toda parte. Um laicato maduro não pode ser feito apenas de alguns auxiliares do clero no altar e na sacristia. Tema importantíssimo esse de um laicato maduro. Se assim na for, perderemos toda a riqueza da Regra de Paulo VI. Será como que colocar pano novo em roupa velha.

 Leigos e leigas que se reúnem em fraternidades, que fazem encontros, reuniões que são como que sacramento de seu mútuo querer bem. Essas reuniões não são intelectuais nem mornas, mas encontros bem vividos, onde os irmãos e as irmãs oram, estudam, estreitam seus laços, e traçam as estratégias do ir pelo mundo. Reuniões com a presença de um frade da Ordem 1ª ou da TOR, não para ser um “enfeite” franciscano, mas homens que vivem o mesmo ideal e que são irmãos, assistentes, encarnação do franciscanismo da Primeira Ordem. Quando penso nesses seculares, sempre vêm à minha mente as metáforas evangélicas do sal da terra, luz do mundo e fermento da massa. Lembro-me sempre do esquema da Ação Católica. Lembro-me sempre de Frei Mateus Hoepers que, nas reuniões da Ordem Terceira de Petrópolis nos anos 1955-56, já dizia que a Ordem preparava as pessoas para o ver-julgar-agir. Quanta sorte ter conhecido Frei Mateus. Os seculares franciscanos são pessoas atingidas pelo “vírus” do Evangelho. Não são homens da mesmice e do frio “institucional”.

São pessoas que desejam transformar sua vida. Por isso, a forma de vida aprovada pelo Papa Paulo VI tem como frontispício a Exortação de São Francisco aos irmãos e irmãs da penitência. Fala dos que fazem e dos que não fazem penitência. Sim, fique sempre claro, os franciscanos seculares fazem parte de um bela tradição de gente que muda o coração, que faz penitência. Nós todos, franciscanos, entramos na Ordem para fazer penitência e mudar nossa vida. Parece que estou ainda ouvindo essas palavras que Frei Constantino Koser não se cansava de repetir. A Ordem Franciscana Secular não é um grupo de gente pacata e passiva, mas de criaturas em estado de conversão. Pessoas que depois de abraçarem o leproso andam sentindo o gosto doce nas coisas amargas e o amargo nas coisas doces.

 Não é aqui o lugar de analisar o mundo em que vivemos. Basta chamar atenção para uma ou outra tendência: sociedade deslizante, mundo das coisas provisórias, exagerado cultivo do corpo, de exibição nos meios de comunicação, do peso da lei do mercado, mundo da indiferença… Há pessoas que sentem que o carisma franciscano pode entusiasmar vidas cansadas de tanta superficialidade e mentira: buscar o altíssimo e bom Senhor, entregar-se prazenteiramente a ele, viver e conviver uns com os outros, ser para o irmão mais como uma mãe, não ter o nariz arrebitado mas ser irmão e irmão menor, viver um estado de êxtase diante da natureza desde a florzinha que nasce no meio da pedras até a majestade dos espaços siderais, tudo dom, pessoas não proprietárias que não atribuem méritos a si mesmas, mas devolvem ao Senhor o que deles recebem, pessoas avessas a toda violência e que procuram apaziguar os lobos que andam por aí e dentro de cada um, gente do evangelho reescrito por Francisco, evangelho da oração nas grutas, evangelho das vestes simples e das casas sem luxo, dos gestos não empolados nem mentirosos, evangelho da misericórdia para com o irmãos que erram, evangelho do respeito pela água, plantas e toda a natureza. Os que ingressam na OFS, os leigos franciscanos, deveriam se revestir destas cores.

 Os franciscanos seculares são pessoas que não ficam presas ao São Francisco romântico das pombinhas e lobos amansados. O Francisco que anima suas vidas é aquele que reescreveu o Evangelho em sua carne e morreu alegre e nu sobre a terra nua: irmão, simplesmente Irmão Francisco.


 A Forma de vida dos seculares franciscanos se detalha nesse documento que faz quarenta anos na festa de São João Batista de 2018: os seculares passam do Evangelho para a vida e da vida para o Evangelho, procuram a pessoa vivente e operante de Jesus nos irmãos, nas Escrituras, na Igreja e nas ações litúrgicas; fazem uma profissão de seguir a Regra, compromisso aceito oficialmente pela Igreja; olham para a Virgem Maria sempre disponível à Palavra; não são fanáticos pela pobreza material, mas vivem sendo meros administradores e não proprietários nesse mundo de avidez; assumem trabalhos no mundo com competência e espírito prestativo, vivem em família sem requintes, trabalham com garra e tomam iniciativas corajosas para que se apresse a instalação do Reino. Limito-me a chamar atenção para estas insistências da Regra.


 Franciscanos no mundo, franciscanos seculares que se sentem muito próximos do Cardeal Bergoglio, que adotou o nome de Francisco para encarnar, de alguma forma, o jeito evangélico franciscano de viver. Não me canso de dizer e afirmar: leigos, leigos no mundo, não leigos de sacristia, não funcionários das coisas antigas, mas homens e mulheres livres no grande mundo, inventando novas formas de fraternidade, acolhendo pessoas certinhas e não tão certinhas, sem exagerar em proclamar leis secas e frias, homens e mulheres simpáticos, capazes de acolher os outros, as crianças, os velhos, os diferentes, homens e mulheres cantores das maravilhas, parecidos com Francisco, das coisas simples e dos gestos puros.


 O amanhã da vida franciscana secular depende da qualidade de vida dos grupos existentes. Na medida em que houver menos discursos sobre a Regra e mais fogo no coração de leigos maduros, a família franciscana poderá oferecer na OFS uma escola de santidade e uma oficina que prepara leigos e leigas cheios do evangelho e realizam o sonho do Papa Francisco que veio do fim do mundo.

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