sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Francisco de Assis, um mistério a ser descoberto.
Por Frei Almir Guimarães, OFM
Esse Francisco, esse homem de Assis é um mistério. Não podemos permanecer eternamente presos ao Francisco das pombinhas e dos animais, da poesia e do sentimentalismo, ao Francisco meio etéreo, nem homem, nem anjo, nem tampouco ao Francisco das Ordens ditas franciscanas. Francisco não cabe em nossas estruturas acanhadas e míopes. É maior que o franciscanismo, que a Igreja. Francisco é do mundo todo.
Aliás, cada pessoa é um mistério. O mistério de cada um não pode ser resumido a meia dúzia de aspectos mais ou menos secundários e exteriores, a qualidades meio estereotipadas. O homem tem um poço interior e é para lá que precisamos nos dirigir quando desejamos vislumbrar reverberações do mistério de seu ser.
Francisco é alguém apaixonado pelo humano, por tudo aquilo que vibra em nosso ser gente, ser homem, ser mulher. Sabe mimar o presépio, beijar o leproso, quebrar o jejum e comer uvas com um irmão que não consegue realizá-lo. Pede que Fra Jacoba lhe traga de Roma aqueles doces que ele tanto apreciava. Quer ainda saboreá-los antes de morrer. Francisco é protótipo do humanismo. Não cabe em modelos pré-traçados.
Francisco é único. É um ser de desejos. Não se contenta com o mínimo, mas busca sempre o máximo, o grande, o completo. Não aceita arranjos existenciais acomodatícios. Tudo tem que ser sine glosa. Seu radicalismo encanta porque parte do fundo de seu ser. Nada tem de exibicionismo, nem de radicalismo legalista. Tudo nele brota do desejo interior de seguir até o fim o Evangelho do seu Amado.
Tomás de Celano, de maneira bela e profunda, tira um pouco o véu do mistério ao descrever a oração de Francisco: “Quando rezava no mato e em lugares desertos, enchia o bosque de gemidos, derramava lágrimas por toda a parte, batia no peito, e achando-se mais escondido do que num esconderijo, conversava muitas vezes em voz alta com o seu Deus. Respondia ao juiz, fazia pedidos ao pai, conversava com amigo, brincava com o esposo” (2Cel 95).
Joseph Lortz assim se exprime: “Francisco é um mistério. Já o era para seus contemporâneos. Continua sendo um mistério para nós hoje. Um mistério não deve ser desnudado levianamente. Do contrário se destrói o enigma e, com ele, a própria realidade. O mistério há de ser respeitado na sua insondável profundidade e tensão. Ante o mistério é preciso calar, entrar em contato com ele. Quando se contempla o mistério com olhar perseverante e desejo humilde e, em repetidas aproximações, se procura penetrar em sua profundidade, é possível que se revele algo de seu conteúdo, que vem enriquecer a alma meditante, enchendo-a de felicidade. Naturalmente sempre à maneira de um mistério: levantando-se o véu para se entrever segredos ainda mais profundos” (Lortz, p.11).
Francisco é uma obra de arte. Uma obra de arte, uma peça musical não podem ser entendidas a partir de descrições. Quem não as viu, não as tocou, não as ouviu não formará dela uma ideia adequada. Será preciso conviver com o Francisco das Regras, das Admoestações, do Testamento, das páginas de Frei Tomás da cidade de Celano e de São Boaventura. Será ter no coração sede de plenitude e saudades do Evangelho. Do contrário seremos meros “faladores” de coisas de Francisco.
Referência: Francisco de Assis, O santo incomparável, Joseph Lortz, Vozes/Cefepal 1982, p. 11-12
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/
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