1. Francisco veio nas Caravelas
Um dia, nas terras até então desconhecidas e que viriam a ser o Brasil, aportaram as caravelas portuguesas, cheias de fidalgos de roupas finas e adornos brilhantes, ao lado de soldados de armaduras luzidias e manejando todo o engenho bélico que até então se havia criado. Vinham cheios de poderes e de títulos, cheios de privilégios e de recomendações dos poderosos da terra para se tomar conta de quanta terra estivesse por aí “sem dono”. Com este cortejo pomposo contrastava a simplicidade de um grupo de frades de aspecto austero, buréis escuros, tonsura e cordão e sandálias, pouca bagagem e um espírito de conquista que muito diferia do grupo: eram os filhos de São Francisco de Assis.
Chegavam de mansinho, como é próprio de tudo quanto se inspira em Francisco, mas entravam firmes para ficar. E com eles entrou o próprio São Francisco que, sem dúvida, foi o primeiro Santo a ser conhecido nestas terras bravias, porque aqueles frades traziam Nossa Senhora da Esperança das naus de Cabral e a esperança toda que sempre animara as caminhadas missionárias do Pai São Francisco.
Começaram os franciscanos, humildemente, trabalhando aqui, pregando ali, erguendo uma ermida no alto de um rochedo, uma capela no coração da floresta, morrendo de febre num pântano, de afogamento num rio, da voracidade dos índios num canto qualquer desta imensa terra. Até hoje, os princípios humildes dificultam um estudo mais profundo da atuação dos filhos de Francisco, pois pouco ficou gravado na história dos homens de seus feitos e realizações, porque, embora sempre primeiros em chegar, eram os últimos a se fazer notar. Mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, é admirável a solidez com que São Francisco se plantou por estas bandas do mundo novo.
Seu amor à natureza, seu conceito profundo do homem, seu respeito pelo criado, sua ternura pela vida, sua vibração com a natureza, sua convivência pacífica com as feras, faziam-no o homem da espiritualidade ideal para um mundo selvagem, invadido por uma civilização – selvagem a seu modo – que, na suposta tentativa de trazer civilização, trazia mil e uma destruições, cujos derradeiros resquícios estão presentes no drama dos últimos índios brasileiros, eclipse melancólico de um povo que recebeu e hospedou os primeiros franciscanos.
Por isso, Francisco tornou-se uma presença necessária e postulada pelos tempos todos, por ter ele vivido e defendido os grandes ideais de Deus e do homem, consubstanciados no Evangelho, única força capaz de sobreviver às destruições dos tempos e às mutações das gerações que se sucedem. Com justeza, o captou Gilberto Freyre: “Desde Frei Henrique de Coimbra que há sempre um franciscano ou a fazer ou a escrever história do Brasil: às vezes a fazê-la com o próprio sangue. História do Brasil ou história da Igreja. Frade português, frade brasileiro, frade estrangeiro: o frade estrangeiro de que Carlos de Laet fez a apologia em páginas célebres…”
E Francisco de Assis, “pobre vermezinho”, ergueu monumentos por estas terras virgens, plasmou homens extraordinários, fez brotar templos magníficos que, ainda hoje, convidam os homens a adorar o Senhor, como ele o fazia quando cortava os caminhos da Úmbria, inspirou obras literárias, porque ele não só fez poesia, como foi constante inspiração poética. Com tudo isso, para o Brasil tornou-se ele um ingrediente cultural, um formador de civilização, um incentivador da fé, a ponto de, em uma pesquisa sobre o “santo mais forte ou importante”, ter recebido o segundo lugar na preferência popular, superado apenas por seu discípulo Santo Antônio, a quem ele, muito respeitosamente, chamava “meu bispo” .
Frei Hugo D. Baggio
Texto publicado na Revista Grande Sinal, Revista de Espiritualidade e Pastoral, publicada pela Editora Vozes.
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