quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Artigo - Advento, tempo do desejo.


Estou ouvindo seu passo de ouro na estrada. Ele vem para sempre. (Tagore)

Começamos a percorrer os caminhos de um tempo  novo na vida da Igreja, esta que é sacramento da presença de Cristo no mundo. Tempo de sacudir a poeira, de tomar distância da mesmice, tempo de reencantar o coração, tempo de vigilância. As solenidades natalinas não podem nos surpreender com um coração vazio, distraído, displicente, indolente. Antífonas, leituras, responsórios e hinos pedem que sejamos vigilantes, atentos. A Igreja toda necessita cultivar profundo sentimento de um coração contrito.  Começamos um retiro de quatro semanas.  Desejamos a vinda do  Senhor. Mas que vinda?

Nosso oleiro é o Senhor
Diante do Senhor com toda singeleza e humildade.  Pés descalços e coração contrito.  Exprime-se o desejo que o Senhor desça até nossa terra:

“Como, Senhor nos deixastes andar longe de teus caminhos e endureceste nossos corações para não termos o teu temor?  Por amor dos teus servos, das tribos, da tua herança, volta atrás. Ah! se rompesses os céus e descesses! As montanhas se desmanchariam diante de ti. Desceste, pois e as montanhas se derreteram diante de ti.

Tu te irritaste porque nós pecamos; é nos caminhos de outrora que seremos salvos. Todos nós nos tornamos imundície, e todas a nossas obras são como pano sujo, murchamos todos como folhas e nossas maldades nos empurraram como o vento. Não há quem invoque teu nome, quem se levante para encontrar-se contigo;  escondeste de nós tua face, e nos entregaste à mercê  de nossa maldade. Assim mesmo, Senhor,  tu és nosso pai, nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos,  obra de tuas mãos”.


Tempo de espera
Textos fortes, hinos cheios de saudade, cantos dolentes.  Tempo do advento. Queremos reviver as esperanças de um povo, prepararmo-nos imediatamente para celebrar a primeira vinda do Senhor:  o presépio, as lâmpadas e luzes, a árvore, a festa, os presentes, a noite santa.  Renovação da esperança.  De tantas esperanças.  De tantas esperas.

Caminheiros e viandantes querem uma terra, uma casa, um pouso.

A mãe espera um filho com ansiedade. Tudo já está preparado: o berço, as roupinhas, a banheira, as toalhas felpudas, o leite que armazena em seu peito.

A caixa do supermercado não vê a hora de voltar para casa, de preparar a comida, de rever os filhos, de esperar pelo marido, de estar com ele e não precisar ficar digitando códigos e números.

A criança, cansada de estudar, meio febril, espera a mãe na porta da escola. Cansada porque forçaram demais sua pequena cabeça.

O casal espera que seu relacionamento melhore, que os dois possam ter certeza de que sua vida a dois têm futuro, têm amanhã, um futuro bonito e um amanhã viçoso e não apenas um rolar de ano em ano, de década em década.

Os soldados, terminada a guerra, começam a enfeitar o coração  quando se preparam para voltar à casa.  Reencontrar os velhos pais,  rever a escola da cidade,  a igreja da infância, a mulher amada e os filhos.  O presidiário espera o dia da libertação para poder  sentar-se à mesa da casa com a mulher, os filhos e  experimentar novamente a alegria de viver.

Dante Alighieri, assim escreve esta frase no frontispício do inferno:  “Todos vós que entrais  podereis colocar de lado  toda esperança!”

Há esses homens e mulheres desalentados, desanimados, desesperançados, desconfiados.  Eles esperam a manifestação do Senhor em suas vidas.  No turbilhão das paixões, na profundezas de nossa solidão, nas dúvidas atormentadores  esperam a vinda do  Senhor.

“Ele vem sem cessar, nosso Deus encarnado.  Vem de dia ou à noite.  Esperamo-lo à porta ele  vem pela janela.  Na alegria o aguardamos, eis que chega com sua cruz. Vem na abundância, mais ainda na pobreza.  Vem quando é desejado, surge mesmo quando não era esperado. Vem na Palavra, na Eucaristia e em todos os seus mistérios.  Vem no silêncio, na brisa como aconteceu com  Elias.  Vem nas multidões  e no meio de ruídos ensurdecedores. Vem nesses rostos que encontramos. Vem a cada instante.  Nem sempre meus olhos estão preparados para reconhecê-lo. Vem com Maria, os anjos, os santos. Um dia ele haverá de me levar para o seu reino” (Inspirado em poema de Jean de Saint Cyr).

Será que este encontro pode ser programado?
O ritmo da vida atual, cada vez mais agitado,  as engrenagens de um sistema que pretende planejar  todos os momentos do homem, mesmo o que há de mais privado, reduzem cada vez mais os limites do imprevisto.  Tudo deve ser passado pelo computador, classificado, neutralizado, assegurado. Mas para o cristão, Cristo continua a ser um acontecimento revolucionador: quando irrompe  em sua vida impõe uma mudança radical que quebra e transforma a rotina cotidiana. Cristo não pode ser programado; deve ser esperado; devemos deixar em nossa vida um espaço para sua presença. A vigilância cristã  permite ler em profundidade os fatos e neles descobrir a “vinda” do Senhor. Exige coração suficientemente missionário para ver essa vinda no encontro com os outros (cf. Missal Dominical da Paulus, p. 5).

Esperamos um futuro que o  Senhor vai nos manifestar
“Nossa época se caracteriza, muitas vezes pela eficiência, produtividade e ativismo. A espera pode parecer impopular e irresponsável.  Numa visão cristã do tempo, no entanto,  o futuro não é um mero desenrolar infinitamente uniforme. Caracteriza-se por aquilo que nele realizará o Cristo. Sem esta clara compreensão seremos ameaçados pelo fatalismo ou pela impaciência.  Renunciar à dimensão da espera seria não somente reduzir o alcance de nossa fé, mas ao mesmo tempo privar o mundo do testemunho da esperança ao qual ele tem direito.  A espera do Senhor impõe ao cristão o saber pacientar-se.  A espera é a arte de viver o inacabado e a fragmentação sem desesperar. É a capacidade não somente de suportar o tempo, mas também a capacidade de  sustentar os outros, de “carregá-los”: assumi-los com suas limitações e carregá-los. A espera abre  homens e mulheres ao encontro e à relação. Faz apelo à gratuidade a aos  recomeços sempre possíveis.  A  espera não  é sinal de fraqueza, mas de força, de estabilidade, de convicção. É uma responsabilidade. Animada pelo amor, a espera se transforma em desejo, desejo amoroso do encontro com o  Senhor. Convida à partilha e à comunhão, leva-nos a  dilatar o coração às dimensões  da criação que aspira à transfiguração e espera novos  céus e terra nova.  A advento  não é apenas tempo de preparação, mas de espera com e  para os outros”  (Enzo Bianchi).

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