"Por meio de devotos pregadores, Clara cuidava de alimentar as filhas com a Palavra de Deus e não ficava com a parte pior" (LegCl 37).
Francisco jamais foi um "ouvinte surdo da Palavra" (2Cel 22); por sua vez, "Clara gostava muito de ouvir a Palavra de Deus" (ProcC 10, 8), vive-a, "espelha-se" nela, deixa-se transformar por ela e a reflete sobre as Irmãs e sobre o mundo, consciente de que esta é a missão própria das Damas pobres (cf. TestCl 21).
Francisco e Clara são criadores de uma espiritualidade construída a partir da escuta e da imediata obediência à Palavra. Desarmados, deixam-se surpreender por esta Palavra; deixam-se "desestabilizar" para iniciar caminhos sempre novos, sem saber, como Abraão, para onde levarão (cf. Hb 11,8).
Deixam-se atrair (ad trahere), plasmar pela Palavra para se conformarem a suas exigências, sem se deixar distrair (dis-trahere) por nada; finalmente tornam-se eles próprios palavra viva e profética para o mundo em que vivem.
Um dos sinais mais evidentes destes anos pós-conciliares é certamente a redescoberta da centralidade da Palavra de Deus para uma experiência espiritual que queira chamar-se de cristã. A Igreja exorta-nos continuamente a entrar nesta riqueza e nos convida a formar-nos e a renovar-nos nesta fonte de água viva. "O primado da santidade e da oração não é concebível senão a partir de uma renovada escuta da Palavra de Deus" (João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, 39).
Os fiéis leigos, sobretudo os movimentos jovens, as novas comunidades religiosas nascidas nos últimos anos, puseram como estrutura básica de sua vida espiritual a escuta e o confronto com a Palavra de Deus. Para nós deveria ser uma volta às nossas origens: "nutrido" com esta Palavra, o coração tornar-se-ia uma "fornalha ardente" como o de Frei Junípero, e nossas palavras readquiririam uma força "incendiária".
A Palavra de Deus provoca sempre uma reestruturação espiritual pessoal: obriga-nos a rever nossos hábitos, nossos esquemas; cria uma dinâmica de busca e de adesão que muda nosso estilo de vida no Espírito, como aconteceu com Francisco e Clara. Talvez por isso, com freqüência, em nossos ambientes é possível notar uma certa resistência e, assim, continuamos na rotina, sepultura de todo o entusiasmo.
Tememos que Deus exija demais, tudo! Tememos perder certas estruturas "de segurança" também quando são empecilho à nossa caminhada contemplativa. Amamos mais a conservação que a contemplação! Continuamos a confiar nos meios mais tradicionais, mais imediatos, sem nos perguntarmos se tais meios têm necessidade de um novo espírito. Este é um campo em que a ajuda recíproca entre irmãos e irmãs poderia devolver força e entusiasmo à nossa vida e, sobretudo, reavivar o desejo de busca e de adesão ao Senhor, que só uma profunda espiritualidade bíblica pode oferecer. Acolher, conceber, guardar, gerar a Palavra, a exemplo da Virgem Maria, são elementos indispensáveis para uma vida consagrada vivida em profundidade e autenticidade.
( Clara de Assis, um hino de louvor- Frei Giacomo Bini, ofm)
Nenhum comentário:
Postar um comentário