Frei José Ariovaldo da Silva
Dia 19 de março, a Igreja celebra solenemente São José, esposo da Virgem Maria.
Antes de tudo um esclarecimento. Ao falar aqui de «devoção», refiro-me ao aspecto histórico da devoção a São José, a saber, procurarei oferecer algumas informações históricas gerais sobre esta devoção, para então desembocarmos na liturgia atual da festa do santo patriarca, atendo-nos exclusivamente à missa do dia. Com isso, creio poder oferecer ao leitor (a) elementos suficientes para a reflexão e enriquecimento espiritual.
1. Devoção a São José. Informações históricas gerais
São José foi um personagem sempre conhecido dos cristãos, desde os primórdios da Igreja. Provam-no os relatos evangélicos, que falam de São José (cap. 1 e 2 de Mateus e LucasJ, e que, naturalmente, sempre foram lidos, meditados e comentados pelos seguidores do divino Mestre. No entanto, isto não significa que sempre houve uma devoção especial ou culto a São José. Não houve, principalmente na antiguidade cristã.
Só lá pelo século IV/V é que podemos perceber os primeiros indícios de uma veneração ao santo patriarca. É na piedade oriental que São José começa a ocupar um lugar de considerável relevância. Provam-no os sermões de São João Crisóstomo (+ 407), melhor ainda os sermões do diácono Santo Efrém (+ 373), sobretudo a famosa “História de José o Carpinteiro” (apócrifo do Novo Testamento, cujas recensões mais antigas remontam ao século IV/V), que testemunham a presença de uma devoção viva a São José que chega a desabrochar em culto. Na verdade, pela documentação pode-se deduzir desta época – o que já foi feito pelos historiadores – a existência de uma festa de São José, no Oriente, com leitura litúrgica da “História de José o Carpinteiro”, e até mesmo um templo a ele dedicado.
As numerosas versões do citado apócrifo provam que o movimento de devoção e culto a São José no Oriente teve boa expansão bem cedo. Isso se liga com a psicologia do oriental, naturalmente muito espontânea, muito humana e mística, dada à contemplação e admiração cheia de ternura e afeto para com a Virgem Mãe e o Menino Jesus. Impossível, por exemplo, imaginar ou representar o Menino Jesus sem, ao mesmo tempo, perceber ao seu lado a figura profundamente humana e carinhosa do bom José, com suas dúvidas, dramas e virtudes heroicas. Assim, pode-se dizer que a “História de José o Carpinteiro” como que desdobra para um lado afetuoso e terno os relatos evangélicos da infância de Jesus, que já falam do bondoso José.
No Ocidente já não foi bem assim. Temos aí, na mesma época (século IV/V), algumas primeiras manifestações de devoção a São José. Encontramo-las, sobretudo, em São Jerônimo (+ 419) e Santo Agostinho (+ 430). Mas são ainda muito tímidas e bem mais aquém daquela devoção calorosa e terna já presente no Oriente. A razão está nas próprias tendências do gênio latino, mais discursivo, contido e reservado, menos terno, menos ligado à santa humanidade de Cristo e mais preocupado com precisão de ideias e fundamentação doutrinal.
A piedade ocidental demorou bastante para chegar a uma devoção a São José. Praticamente começou a se difundir só no século XI, sob a influência dos cruzados, que construíram em Nazaré uma basílica em honra do santo, e da Terra Santa começaram a trazer «relíquias» e notícias interessantes e curiosas sobre o lugar onde viveu a Sagrada Família. Mas é um início devocional ainda muito pálido. De culto há indícios neste período e antes (já a partir do século IX), notadamente na Itália e Inglaterra (1), mas muito pouco impregnado ainda de devoção. Como comenta J. Dusserre: «Tem-se a impressão que se trata de um tesouro mais possuído do que amado, e sem dúvida de um bem oriental ainda pouco assimilado». (2)
No século XII de repente assistimos a algo novo. Na Alemanha, com a poetisa Ava (+ 1127), sobretudo na França com São Bernardo de Claraval (+ 1153), inaugura-se um movimento de devoção terna e apaixonada para com São José. Um movimento que praticamente ignora a existência de um culto, e tem influências do Oriente por meio dos cruzados. Está ligado a uma corrente de devoção à humanidade de Cristo, característica da espiritualidade do século XII e todo o restante da Idade Média. O Ocidente enfim compreende aquilo que no Oriente há muito tempo os cristãos já curtiam, a saber, a realidade doce e ao mesmo tempo amarga da vida humana do Salvador. São Bernardo foi sem dúvida o grande campeão da época na contemplação e admiração do lado profundamente humano do mistério de Cristo. Para ele, cada detalhe da vida de Cristo provoca afeição, sobretudo a infância e a Paixão. Ora, toda vez que medita os mistérios da manjedoura, necessariamente se defronta com a figura do bom José. E, consequentemente, toda a afeição apaixonada que prova pelo Menino Jesus alarga-se também para Maria e para José: a figura do patriarca é descrita e admirada então com encanto e doçura. Em São Bernardo e seus seguidores podemos notar que quanto mais uma pessoa se liga com terno amor ao mistério do Homem-Deus, mais compreende e se aprofunda na devoção à Virgem Santa e a São José.
O século seguinte, século XII, assiste à implantação da corrente intelectualista, cujo expoente maior é Santo Tomás (+ 1274). Este, por exemplo, fala com bastante frequência de São José. Mas é frio, objetivo. Não se arrisca em “devaneios” místicos. Não traz nenhuma palavra que exprima devoção. Contudo, as atividades espirituais não foram absorvidas por esta corrente. A tendência mística e, consequentemente, a devoção ao santo patriarca, tiveram seus representantes, como, por exemplo, São Boaventura (+ 1274), o beato Hermann Joseph de Colônia (+ 1241), e um ofício de São José composto no mosteiro beneditino de Saint Laurent, em Liège. E não podemos esquecer também a grande influência das relíquias trazidas pelos cruzados, no crescimento da devoção a São José.
É no século XIV que se abre um período de pleno desenvolvimento da devoção a São José, sob a influência da mística franciscana. Compreende-se: Francisco de Assis como que dá continuidade e amplia aquela espiritualidade muito terna e humana de São Bernardo, o que vai ajudar a enfatizar ainda mais e tornar cada vez mais comum a veneração a São José. Na verdade, são franciscanos os mais influentes propagadores desta devoção nos séculos XIV e XV. Eis alguns: o autor das “Meditações sobre a vida de Cristo”, e também Ubertino de Casale (cujos traços se perdem depois de 1325), Bartolomeu de Pisa (+ 1401), mas sobretudo São Bernardino de Sena (+ 1444). Foram eles os grandes promotores da celebração e da liturgia do nosso santo, sendo Ubertino de Casale o doutor que, num capítulo do seu “Arbor vitae Crucifixae Jesu” (1305), deu os elementos essenciais para o que depois se chamará de a teologia de São José. (3)
Entramos assim no século XV. A esta altura, devoção e culto praticamente se juntam. São José é cada vez mais amado e buscado como intercessor, tanto em orações privadas como litúrgicas oficiais. Seus devotos são numerosos, seus apóstolos são incansáveis e de um zelo extraordinário: Jean Gerson (+ cerca 1419), Pedra d’Ailly (+ 1420) e o grande São Bernardino de Sena. E, enfim, como que para coroar a obra deste século e fechar esta fase, o papa Sixto IV (1471-1484), que pertencera à família franciscana, introduz oficialmente a festa e o culto a São José em toda a Igreja. A data da festa é 19 de março. (4)
Outros ainda, posteriormente, continuaram a obra de difusão do culto a São José. O dominicano Isidoro de lsolânis, em 1522, na sua “Summa de donis Sancti Joseph”, ressaltará o valor teológico do culto. Santo Inácio de Loyola (+ 1556), São Francisco de Sales (+ 1622) e outros vão implantando sempre mais esta devoção entre o povo cristão, tornando-a cada vez mais familiar a todos.
Em 1621, o papa Gregório XV elevou a festa de 19 de março à categoria de dia santo de guarda; em nível, portanto, de uma grande solenidade. É bom lembrar que nesta época (século XVII) foram fundadas bem umas três ordens e uma congregação religiosa feminina com o nome de São José!
O século XIX foi também particularmente fecundo na expansão da devoção josefina. Santa Teresa do Menino Jesus (+ 1897) foi a grande apóstola desta devoção. Interessante notar que neste mesmo século contamos com a fundação de pelo menos 23 congregações religiosas masculinas e femininas com o nome de São José. E foi neste século, precisamente em 1887, que o papa Pio IX declarou São José Patrono da Igreja universal, introduzindo em sua honra uma nova festa, a do Patrocínio de São José, (5) no 3º domingo depois da Páscoa, que foi depois transladada por Pio X para a quarta-feira anterior. Pio XII suprimiu a festa em 1956, introduzindo em seu lugar, mas no dia 1º de maio, Dia do Trabalho, a festa de São José Operário.(6)
A nova edição do Missal Romano de 1920 traz pela primeira vez um Prefácio próprio de São José, que foi conservado no Missal de 1970, em uso atualmente na Igreja. Convém notar também que em 1962 João XXIII mandou inserir o nome de São José no Cânon da Missa: reflexo do grande carinho da Igreja por São José, numa devoção-patrimônio de todos os cristãos.
E hoje o nome de São José está espalhado em todos os recantos do mundo cristão. Em sua honra e como devoção, José e São José dá nome a pessoas, estabelecimentos comerciais, hospitais, escolas, creches, ruas, cidades, e até pais! (São José da Costa Rica), dioceses, paróquias, igrejas, comunidades religiosas etc. E quantos trazem no peito uma medalha de São José! E quantos o invocam nas horas de aperto, principalmente na hora do aperto maior, a morte; tanto que São José é também chamado de patrono dos agonizantes. Mas ele é, sobretudo, patrono da Igreja peregrina neste mundo …
São José a partir dos textos da missa de sua festa no dia 19 de março
1) Refletindo a partir das leituras bíblicas da solenidade
A «Solenidade de São José, Esposo de Nossa Senhora», como oficialmente vem chamada a festa de 19 de março, como que concentra toda a história da salvação. Realmente, pelas leituras bíblicas do dia (2 Sm 7,4-5a.12-14c. 16; Rm 4,13.16-18.22; Mt 1,16.18-22.24) temos resumido toda o caminho da salvação, que vai de Abraão, passando por Davi, e chegando ao Salvador prometido. E tudo tem sua íntima ligação com São José, que desempenha um importante papel num dos momentos-auge dessa história.
a) José, filho de Abraão
Abraão é chamado pai da fé e de todos os que creem em Deus. Como tal, representa o início da história da salvação. O rei Davi, por sua vez, prefigura a vinda do Messias. Ambos, Abraão e Davi, compendiam respectivamente, a promessa e a espera do Messias. E Jesus, por sua vez, é a própria concretização pessoal da bênção de Deus a Abraão e da promessa feita a Davi. E José está aí no meio! Como?
José é filho de Abraão por ser descendente mesmo de Abraão (Mt 1,1.16.20). Mas, muito mais, ele é filho de Abraão também e, sobretudo, pela sua fé e pela sua justiça (Mt 1,19.20). Em outras palavras, São José é justo não segundo a lei, mas segundo a justiça que provém da fé em Deus (Rm 4,13). Como Abraão, ele aparece perfeitamente «ajustado» (justo!) à vontade de Deus. Tão «ajustado» que a misteriosa gravidez de Maria lhe causa por um momento perplexidade: Não queria difamá-la. Mas também tão «ajustado» que continua crendo na Palavra e nas promessas de Deus: como Abraão, esperou contra toda esperança humana (Rm 4,17). E, justo como era, percebendo pela voz do anjo que tudo o que acontecia era obra de Deus, aceitou plenamente a realidade misteriosa, disposto a colaborar com ela e agir plenamente por ela: «José fez como lhe propusera o anjo do Senhor» (Mt 1,24).
A esta altura, até se poderia dizer que a fé e a disponibilidade de José são bem maiores que a fé do próprio Abraão. Este, na sua fé e total disponibilidade à vontade de Deus, esteve pronto a sacrificar seu próprio filho Isaac. José, muito mais, na sua total disponibilidade interior, estava pronto a sacrificar totalmente a si mesmo: seu próprio nome, toda a sua pessoa. Na verdade, aceita a criança de Maria como filho seu, e lhe dá o nome de Jesus.
Dar o nome significa assumir a paternidade’ e todo o peso da filiação. José, portanto, reconhecendo Jesus como seu filho, transmite a ele os direitos da própria paternidade e de parentesco com o rei Davi.
b) José, filho de Davi
José é também descendente de Davi. Filho de Davi, portanto (Mt 1,20). E, como já dissemos, é pelo ato de dar o nome ao menino que José liga Jesus à sua parentela, já que a concepção se deu por obra do Espírito Santo. Em nível de concepção, Jesus, filho de Maria, é e permanece “Filho de Deus. Em nível de «adoção» realizada por José, «Filho de Davi», Jesus entra na descendência de Davi. E o que acontece? A fé e a disponibilidade de José, que assume plenamente esta criança, possibilitaram a realização histórica concreta das promessas de Deus feitas ao rei mediante o profeta Natan: «Quando chegares ao fim de teus dias e repousares com teus pais, suscitarei para te suceder um teu descendente, nascido de tuas estranhas, e confirmarei a sua realeza. Ele levantará uma casa para o meu nome e eu confirmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai, e ele, será meu filho» (2 Sm 7,12-14). Que maravilha! A justiça de José possibilitou ao Justo o seu indispensável lugar na história da salvação como «Filho de Davi».
c) Fé e obediência de José
Jesus, na sua vida, pouco a pouco se revelará e se mostrará como Filho de Deus, isto é, que Deus é o seu verdadeiro e único Pai. Está se cumprindo o oráculo de Natan: «Eu serei para ele um pai, e ele será meu filho» (2Sm 7,14). E mais: Jesus, o Emanuel (= Deus-conosco), é visto como o lugar da presença do Deus salvador sobre a face da terra, a «casa» de Deus entre os homens, «casa» esta que, depois, pelo mistério pascal, vai se tornar
Tudo por quê? Por causa da obediência de José, que aceitou com fé e humildade colaborar, ser instrumento, na realização do projeto salvífico de Deus. Através da fé e obediência deste homem, que «fez o que lhe propusera o anjo», Deus concretiza de uma vez por todas suas promessas e sua fidelidade. Em José a fidelidade de Deus se encontrou com a fé confiante e obediente do homem. E neste encontro abrem-se as portas para o cumprimento do projeto histórico-salvífico de Deus. Enfim, cumprida a sua missão de colaborador tão admirável, a José depois não resta mais senão sair da cena, desaparecendo no silêncio e na humildade, para escondido continuar a colaborar como protetor da família de Deus peregrina por este’ mundo…
2) Refletindo a partir das orações da missa do dia
«Eis o servo fiel e prudente, a quem o Senhor confiou a sua casa» (Lc 12,42), é a antífona de entrada na Missa do dia. Esta antífona, tirada do evangelho de Lucas, visa caracterizar a figura de São José como «servo fiel e prudente», ou, se quisermos, como servo prudente e responsável. A fidelidade e a prudência são duas virtudes de São José contempladas pela liturgia. E mais: à fidelidade e prudência deste homem santo «o Senhor confiou a sua casa». Que casa? Primeiro, como já dissemos, Jesus Cristo, visto pelo evangelho de João como tenda/templo de Deus entre os homens (Jo 1,14; 2,18-22). Depois, também Maria Santíssima, que, aliás, é vista pela espiritualidade franciscana como «palácio», «tabernáculo», «morada» do Senhor. (7) Depois, a casa do Senhor, isto é, o lugar da habitação de Deus, pelo mistério pascal, passou a ser a grande família de Deus, a Igreja (cf. 1Cor 12,12-30; Ef 2,19-22; 1Pe 2,4-6): Corpo de Cristo, edifício santo, edifício espiritual. Todos enxertados em Cristo pelo batismo, formamos o seu Corpo, o novo Templo, a nova Casa do Senhor. Ora, se Jesus de Nazaré foi com Maria confiado à fidelidade e à prudência de São José, consequentemente também a
Igreja-Corpo de Cristo está sob sua proteção por via de continuidade. Sobretudo esta Igreja peregrina, sofredora, oprimida, na América Latina, onde cerca de 70% dos cristãos são empobrecidos e perseguidos pela ganância dos ‘herodes’ dos nossos tempos.
Vimos há pouco como São José, totalmente “ajustado” (justo) à vontade de Deus, desempenhou um importante papel na história da salvação. Marcou presença atuante na vida de Jesus e de Maria. Acontece que agora, por via de continuidade, ele continua marcando tal presença na vida da Igreja, que é o novo modo de Cristo ser hoje; Corpo composto de muitos membros. Por isso confiamos nas preces de São José. Daí que a nossa oração logo no início a missa soa assim:
«Deus todo-poderoso,
pelas preces de São José,
a quem confiastes as primícias da Igreja,
concedei que ela possa levar à plenitude
os mistérios da salvação» (Oração coleta).
Em outras palavras, pedimos que as preces de São José, o servo bom e fiel que entrou na alegria do seu Senhor (cf. Antífona de Comunhão), garantam à Igreja a possibilidade de contribuir eficazmente, até à plenitude, para a libertação dos oprimidos. Se o Vaticano II chama a Igreja de sacramento da salvação (LG 1, 48, 59), isso quer dizer que, na sua atuação, na sua práxis libertadora como comunidade eclesial realmente organizada na luta em favor da
Vida, contra tudo o que é morte e leva à morte, deve aparecer o característico da Igreja: sinal de salvação, sinal e instrumento libertador de Jesus Cristo hoje. Pedimos, portanto, que, sob a proteção de São José, a Igreja seja esse sinal libertador, proteja e salve o Cristo de hoje com feições sofridas tão diversificadas (cf. Puebla 31-39). Que ela, a Igreja, possa levar à plenitude «os mistérios da salvação», isto é, que ela, sob o exemplo, apoio e proteção de São José, possa garantir no mundo a plena presença do que a Eucaristia que celebramos significa como presença do Reino de justiça e de paz. É o que, no fundo, se torna a pedir logo em seguida, ao colocarmos as oferendas sobre o altar:
«Ó Deus de bondade,
assim como São José se consagrou ao serviço
do vosso Filho, nascido da Virgem Maria,
fazei que também nós sirvamos de coração puro
aos mistérios do vosso altar»
(Oração sobre as oferendas).
Em outras palavras, pedimos confiantes na bondade de Deus (“Ó Deus de bondade”!) que, a exemplo de São José que consagrou sua vida (desapego de si!) ao serviço de Jesus, nós Igreja nos entreguemos com toda a renúncia de nós mesmos (“de coração puro”) ao serviço dos mistérios do altar, quer dizer, ao serviço do que a Eucaristia significa como presença da total doação do Amor de Deus pela libertação do homem: obediência, justiça, persistência, luta. É difícil. Não é fácil. Como não foi fácil a missão de São José. Nele se repete o drama de Abraão que teve que crer “contra toda esperança”, mas “apoiado na esperança creu” (Rm 4,13.16-18.22), e assim nos mostrou que é possível viver a vontade de Deus e colaborar para a concretização desta vontade no meio dos homens, a saber, que todos sejam salvos (Jo 6,39-40). Pois bem, movida pela esperança que é suscitada pelo exemplo de São José anunciado pelo evangelho (cf. Mt 1,19), a assembleia eclesial, reunida em liturgia, ouve feliz ressoar este hino de ação de graças e exultação:
«Na verdade” ó Pai,
Deus eterno e todo-poderoso,
é nosso dever dar-vos graças,
é nossa salvação dar-vos glória,
em todo tempo e lugar,
e, na solenidade de São José,
celebrar os vossos louvores.
Sendo ele um homem justo,
vós o destes por esposo à Virgem Mãe,
e, servo fiel e prudente,
o fizestes chefe da Vossa família,
para que guardasse como pai
o vosso Filho único,
concebido do Espírito Santo,
Jesus Cristo, Senhor nosso» (Prefácio).
Enfim, nesta festa, o nosso desejo é que, alimentados pela Eucaristia, Deus nos proteja sem cessar e, guarde em nos os seus dons (Oração depois da comunhão). Quer dizer: Alimentados por esta Eucaristia, partamos para a prática Concreta da justiça celebrada e comungada nesta ceia santa, na obediência total à vontade do Senhor, a exemplo de São José.
Conclusão
Ao final desta exposição, salientaria como conclusão os seguintes pontos:
>> É muito bom sermos profundamente humanos em nossa vida espiritual. Pensar e viver a vida espiritual também com o coração! E quem assim fizer, sem dúvida encontrará em São José a figura de um pai extraordinariamente bom, inspirador de confiança, animador da esperança, e, sobretudo, criador de serenidade decidida. Parece que a história da devoção a São José nos ensina isso.
>> Impressiona-me em São José a figura do homem justo. Como dissemos, ele é o tipo do homem totalmente «ajustado» à vontade de Deus. Por isso mesmo, é o homem do equilíbrio completo: Não o vemos «desajustado» frente às delicadas e embaraçosas situações que o surpreendem.
>> Dá gosto pensar em São José, e saber que, como viveu na sua família de Nazaré, vive também hoje na grande família que Somos nós Igreja, principalmente nossa Igreja latino-americana perseguida pelos ‘herodes’ dos tempos modernos, ricos cada vez mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres, verdadeira matança de inocentes. A presença de São José nos garante: A mansidão dos humildes triunfará sobre a arrogância dos poderosos.
>> A presença escondida e serena de São José nos encoraja à persistência na luta pelo Reino da Justiça.
>> A fé e obediência de José possibilitaram a concretização histórica da salvação de Deus em Jesus Cristo. Isto significa: pela nossa fé e obediência ao modo-de-ser de Deus (Amor, Doação, Comunhão, Trindade), é possível, hoje mais do que nunca, tornar concretamente presente a Libertação que todos sonham. É possível fazer Liturgia: adorar o Pai em espírito e em verdade (cf. Jo 4,23).
1. São José consta em vários martirológios desta época e também em ladainhas. Inclusive existia uma capela a ele dedicada em Bolonha (cf. J. Dusserre, ‘Origines de la dévotion à Saint Joseph”, Cahiers de Joséphologie I (1953). p. 41-42).
2. Id., vol, II (1954), p. 28.
3. Não se pense, é claro, em monopólio absoluto dos franciscanos na difusão da devoção nesta época. Lembremo-nos, por exemplo, da beata Margarida de Médola (+1920). Ludolfo o Cartuxo (+1370) e Santa Brígida (+1373).
4. Quanto ao porquê da data de 19 de março é dificil ter clareza. Sabemos que o Oriente se costumava celebrar a festa de São José no dia 20 de julho, como testemunham alguns calendários coptas do século VIII/IX (cf. A. Adam, “O ano litúrgico, São Paulo 1982, p. 224). O mesmo é testemunhado por Isidoro de Isolânis, no século XVI, ao comentar uma versão latina da História de “José o Carpinteiro” saída em 1340: ‘Os Católicos do Oriente costumam celebrar com grande veneração a festa de São José no dia 20 de julho. Prestam grandes honras a São José e aprontam ruidosas manifestações nesta solenidade” (cit. em J. Dusserre, ibid. I (1953). p. 40). No Ocidente, a partir do século IX/X existem vários martirológios com o nome de São José inscritos para a data de 19 de março. Certamente é consequência de uma confusão “entre o nosso santo e um São José mártir de Antioquia, cuja data de festa caía no dia 20 de março. Esta data teria ‘puxado” o nome do nosso São José para o seu lado: 19 de março, e assim ficou até hoje.
5. Festa que os carmelitas da Itália e da França celebram desde 1680.
6. Ao criar esta festa o papa foi levado pelo intento de enriquecer o 1º de maio, Dia do Trabalho, com a celebração de um santo operário em sentido cristão. Ela levou o título completo de “Solenidade de São José Operário. Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria, Confessor e Patrono dos Operários”.
7. São Francisco de Assis, “Saudação à Mãe de Deus’ 4, Escritos de São Francisco de Assis, crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano, Petrópolis 1981, p. 165.
BIBLIOGRAFIA
A. ADAM, O Ano litúrgico, Paulinas, São Paulo 1982, p. 224-227.
J. LÓPEZ MARTIN, El Ano litúrgico, Historia y teología de los tiempos festivos cristianos, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid 1984, p. 250-251.
J. DUSSERRE, “Les origines de la dévotion à Saint Joseph”, Cahiers de Joséphologie I (1953), p. 24-54; 169-196; II (1954), p. 5-30.
VV.AA., “Joseph, Nährvater Jesu”, Lexikon für Theologie und Kirche 5, col. 1129-1133.
H. LECLERCO, “Joseph (Saint)”, Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie, t. VII/2, col. 2656-2666.
G. MARCHESI, Il Vangelo della Misericordia. Commento biblico e teologico alle letture delle domeniche e feste, Anno C, Città Nuova Editrice, Roma 1985, p. 403-406.
V. RAFFA, Liturgia Festiva. Per l’omelia e la meditazione. Anno A, B, C, Libreria Editrice Vaticano, Città dei Vaticano 1977, p. 600-610.
J. KONNINGS, Espírito e Mensagem da Liturgia Dominical. Subsídios para a Liturgia, Pregação e Catequese (Anos A, B e C), Vozes, Petrópolis 1986, p. 444-445.
M. STAROWIEYSKI (Org.), I Padri Vivi. Commenti patristici al Vangelo domenicale, solennità e feste, Città Nuova Editrice, Roma 1982, p. 104-115.
Frei José Ariovaldo da Silva é professor do Instituto Teológico Franciscano. Este texto foi publicado na Revista “Grande Sinal”, uma publicação da Editora Vozes e Província da Imaculada Conceição do Brasil
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